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22 Out 2020
O Evangelho é a nossa paixão
Homilia na Solenidade de S. Martinho de Dume.
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A solenidade de S. Martinho de Dume, nosso padroeiro principal, celebrada na nossa Catedral, é uma oportunidade para uma reflexão e compromisso sinodal sobre a Igreja que somos e a Igreja que queremos ser. Já temos levantado esta questão em diversas ocasiões a partir do programa da renovação eclesial que tem pautado as nossas iniciativas pastorais. 

A situação de pandemia exige que prestemos redobrada intenção a este objectivo. Sabemos que, com ela, nada ficará na mesma. Já o sentimos e tudo indica que seremos conduzidos a outras situações impensáveis. A sociedade terá uma fisionomia totalmente diferente, não só na dimensão económica e social. A Arquidiocese tem, por isso, a obrigação de começar a pensar por onde passará a sua missão. Tenho dito que muitas coisas cairão e que teremos necessidade de discernir um novo modo de ser Igreja. O mundo, em si mesmo, será diferente e a Igreja só existe quando se coloca ao serviço do mundo. Não pode andar por caminhos paralelos. Para mim, estar numa Igreja sinodal significa, entre outras coisas, querer caminhar com o mundo, com os seus problemas e ansiedades. Nada nos pode ser estranho e não devemos apostar numa missão bem estruturada mas ausente do quotidiano das pessoas. Trata-se da capacidade de ouvir, de escutar os anseios, de identificar-se com as dores e sofrimentos. Nunca seremos uma Igreja do futuro, e com futuro, sem esta capacidade de escuta para incarnar a mensagem que nos foi confiada.

Com esta capacidade de caminhar com o mundo, teremos de reconhecer que existimos para evangelizar. O Evangelho é o nosso código de vida e a única coisa que temos para oferecer ao mundo. Nunca poderemos sair deste caminho e o mundo terá de intuir a nossa originalidade e diferença. Estas só terão validade se forem marcadas pela exigência da Boa Nova que nos foi confiada. Não temos outra alternativa. Basta-nos o Evangelho e a alegria de o anunciar. Foi este que permaneceu ao longo dos 20 séculos de história da Igreja. “Passarão os céus e a terra mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24,35). A única coisa que deixaremos aos nossos vindouros é o que formos proclamando em palavras e obras. O nosso contexto social, marcado por um cristianismo repleto de formalidades e devoções, é e será totalmente alterado. Desaparecerão muitas coisas, perdendo a sua validade e motivação. Permanecerão as palavras saídas da boca de Cristo e consignadas na Sagrada Escritura.

Esta opção, permanente e prioritária, pela evangelização é-nos sugerida pelo testemunho de S. Martinho de Dume. A Arquidiocese vinha de um período onde tudo estava devidamente organizado. A chegada dos povos suevos trouxe uma mentalidade e cultura novas. Era imperioso anunciar o Evangelho nesta nova circunstância. Foi essa a grande obra de S. Martinho. A sua inteligência e sabedoria souberam encontrar o modo adequado. Mas vergou-se à força do Evangelho e fez com que ele penetrasse nos costumes e hábitos de um povo alheio aos valores do Evangelho. Investiu na conversão daquele povo, no sentido de lhes oferecer uma nova cultura a partir do Evangelho. Nada mais ficou da sua vida exemplar. Por isso ele é modelo para nós. É o nosso padroeiro.

É isto que a Palavra de Deus, hoje, nos oferece. S. Paulo, aos Coríntios, falava da sua experiência de ministro, não por valor próprio mas porque Deus lhe confiou um encargo que consistia em anunciar em plenitude a Palavra de Deus, com a certeza da presença de Cristo no meio de nós. S. Paulo trabalhava somente para isto e alegrava-se com os sofrimentos que teria de suportar para que a mensagem chegasse aos destinatários.

Depois, Ezequiel diz-nos que a mensagem deve chegar a todos, mas com a preferência pelos mais desfavorecidos. Ir à procura das ovelhas perdidas, cuidar, tirar dos sítios onde se desgarraram, procurar a que anda perdida, tratar as feridas, dar vigor às que andam enfraquecidas, velar pelas gordas e vigorosas.

O Evangelho é universal, mas a predilecção está nos pobres e marginalizados. Os caminhos apontados pelo Papa Francisco sugerem à Arquidiocese por onde deve andar: cuidar daqueles de quem ninguém cuida. Descobrir as feridas. Como nos diz o Programa Pastoral, ver as situações e encher-se de compaixão. E quanto trabalho temos para realizar perante o cenário de tantas pobrezas. Também o Evangelho que nos foi comunicado não deixa dúvidas sobre a Igreja do futuro. “Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16). No mundo, caminhando com ele, a Igreja deve ser luz e sal. Isto acontecerá quando o anúncio consistir nas boas obras. O Bom samaritano é demasiado elucidativo. Viu e agiu. O nosso Programa Pastoral oferece-nos alguns desafios a encarar. “Criar consciência em todas as comunidades de que a caridade é a missão constitutiva de toda a Igreja”. “Testemunhar a credibilidade da Igreja através da experiência concreta e ativa do amor.” “Abrir os olhos para as novas formas de pobreza e comprometer as comunidades na realização de respostas de proximidade e de solidariedade.”

Nesta solenidade do padroeiro, não é orgulho reconhecer o que a Arquidiocese fez ao longo da sua história. Construiu muitas igrejas e santuários que mostram o amor dos crentes por Deus. Mas, talvez ainda mais sublime, o seu trabalho passou por construir monumentos de caridade, que ainda hoje existem em instituições beneméritas dos pobres, mas que, sobretudo, plasmaram-se na caridade anónima do amor ao outro, vendo nele a pessoa do próprio Cristo. Se precisamos de muitas instituições onde o amor é oferecido, teremos de estar convencidos de que a caridade é o rosto da nossa fé e por ela mostramos a credibilidade da Igreja. As obras patrimoniais têm valor mas o seu valor torna-se insignificante se não suscita compromisso com o mundo da desventura. A Arquidiocese sempre percorreu os caminhos da caridade. O triénio que temos diante de nós deverá ser, para todos os cristãos e comunidades, um sério desafio para dar valor ao que permanece. Tudo passa. O amor nunca desaparecerá.

Neste tempo de pandemia teremos de ser capazes de extrair lições apostando no essencial da missão da Igreja: centrar-se na única tarefa de evangelização. Não podemos ter outros intuitos. Tudo o que somos e temos deverá orientar-se conscientemente para isso. Quando lutamos pela posse dos nossos bens, procuramos interpretar tudo nesta perspectiva. São meios que a generosidade dos antepassados nos ofereceram e que hoje, directa ou indirectamente, estão ao serviço deste anúncio. Uns falam directamente da caridade vivida. Outros proporcionam-nos condições para continuar a falar da Boa Nova nas celebrações, no anúncio da Palavra, nos momentos de convívio e lazer que a Igreja sempre considerou como integrantes de um humanismo cristão.

A fé não está só na oração e sacramentos. O modo como convivemos e nos distraímos também é sinal da força diferenciadora do Evangelho.

Para S. Martinho de Dume, com a sua ciência e cultura, foi fácil evangelizar os suevos. Hoje, numa globalização da indiferença, a tarefa é muito mais complexa. Não temos a santidade de tantos antepassados nem as virtudes que os impuseram. Somos o que somos. Podemos contar com a ajuda de quem imbuiu este povo do Minho de valores evangélicos. Procuremos ser continuadores de uma história que, inevitavelmente, será diferente. Não tememos, pois, caminharemos todos juntos e o Evangelho será a nossa paixão. Com ele a caridade que oferecemos, no passado a tantas gerações mas hoje, talvez no anonimato e sem reconhecimento público, continuaremos a investir fazendo com que a fé transpareça na obras e acreditando que uma sociedade de irmãos, que se estimam e servem, reciprocamente, irá acontecendo. 

Que S. Martinho de Dume nos acompanhe.

 

† Jorge Ortiga, 
Arcebispo Primaz

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