DACS | 28 Jul 2016
Davide, Margarida e o Pe. Jorge Vilaça embarcam numa missão de um ano à diocese de Pemba, Moçambique. Move-os a vontade de “dar a vida aos outros de forma gratuita”, como Deus fez, explica Margarida.

Margarida Carvalho, 26 anos


Estavas a trabalhar, como enfermeira, em Londres. Foi a possibilidade de partir em missão que te fez deixar o emprego e vir agora para Portugal?

Mais cedo ou mais tarde eu queria voltar. Talvez não voltasse agora, mas num prazo de dois anos, provavelmente. O projecto foi o que me motivou a voltar.

Alguma coisa te fez hesitar?

Talvez a componente emocional, a saudade que obviamente terei da família, dos amigos... Não o ter medo de algo lá. Aliás, isto era uma coisa que eu já queria fazer há muito tempo, não este projecto, propriamente, mas embarcar numa missão. Por isso, preparei-me.
 


E o que te faz ir para lá?

É o dar-me ao outro, fora da minha zona de conforto. Sobretudo é um testemunho de fé. Deus deu-nos a vida de forma gratuita e eu quero dar a minha vida de forma gratuita aos outros, sem receber nada em troca. A trabalhar, nós esperamos receber um salário no final do mês. Neste caso, o que me faz ir é o amor que Deus me deu, para o dar de forma gratuita aos outros, é o estar com os outros de uma forma diferente da que estaria cá. Eu cá também poderia fazer voluntariado de diversas formas, mas lá estarei fora da minha zona de conforto emocional e físico. Por isso, será uma espécie de libertação. Não que esteja presa aqui, mas é o dar-me em contexto diferente.


Esperas dar esse amor. Por outro lado, o que esperas receber?

Espero receber… De tudo. A nível de experiências, de amizades, de intercâmbio de culturas, de aprendizagens, de lições de vida, de histórias, de escuta, de partilha, de tudo.


Já pensaste como será o teu dia-a-dia em Pemba?

Isto é um projecto novo, não é um projecto que já está no terreno, a decorrer. Somos a primeira equipa a ir, ou seja, sabemos que há determinadas necessidades em Pemba, mas estando lá, o nosso principal objectivo é estar com eles. Não vamos com o sentido heróico de salvar e mudar o mundo porque não o vamos fazer, obviamente. Vamos no sentido de estar com eles. Depois, dependendo das necessidades deles, das nossas necessidades, do que os faz mais felizes a eles e a nós, do que necessitamos, nós e eles, será a partir daí. Temos áreas definidas, como a saúde e a educação, mas haverá outras.


Achas que a vossa partida poderá incentivar a interacção com outras dioceses, sobretudo da parte dos jovens?

Claro. Este é um projecto cristão, por isso todos os jovens cristãos que tenham espírito de partir em missão, que queiram ser um testemunho de fé e de amor, que possam dar algo mais, e sobretudo receber do outro, em contexto diferente, que o façam. Não digo largar, porque nós não largamos nada, simplesmente abdicamos de estar “fisicamente com”. Obviamente as relações poderão alterar-se, de certa forma, mas os nossos são os nossos e teremos a relação com eles à distância, através dos meios de comunicação. O que digo aos jovens é que se realmente se sentem chamados a ir, a dar um pouco mais de si próprios, que partam. As relações pessoais, o trabalho, todo o nosso meio social estará cá depois. O que vale a pena estará cá.


E os jovens que não pretendem ir para outro país, que missões poderão abraçar cá?

O fazer voluntariado, o ser cristão, a missão, não tem que ser a quilómetros de distância. O ajudar o nosso vizinho que está doente ou que vive em condições mais precárias e mais pobres, ajudá-lo no dia-a-dia, ou fazer algo pelo outro de forma gratuita, isso já é uma missão. Não penso que temos de partir para longe para fazer voluntariado. Há tantos projectos em Braga, com os sem-abrigo, com as crianças de carência social ou de aprendizagem. Antes de ir para fora trabalhar fiz voluntariado na AMI, no Porto, e na Cruz Vermelha, onde trabalhava com crianças do ensino básico, carenciadas, com dificuldades de aprendizagem, ajudava-as a estudar, numa espécie de explicação, de apoio ao estudo. Por isso, qualquer jovem que se sinta com espírito para voluntariado não precisa procurar muito. À nossa porta, mesmo na nossa família, em casa, em qualquer lugar, há tanto que se pode fazer…

 

Pe. Jorge Vilaça, 38 anos


O Pe. Vilaça já esteve durante dois anos na diocese de Pemba, numa missão que decorreu entre 2003 e 2005. Como é que caracterizaria essa experiência?

Foi uma experiência de primeiro amor enquanto padre. Eu fui ordenado padre e automaticamente saí, e uma experiência de primeiro amor é sempre muito mais apaixonante. (…) Sobretudo caracterizo esta experiência como uma experiência de “maravilhamento” — não sei se esta palavra se enquadra —, uma experiência de choque cultural, em primeiro lugar, e uma experiência de admiração profunda por uma Igreja nova. A Igreja moçambicana é de fundação recente e, por isso, é uma Igreja muito próxima dos Actos dos Apóstolos. Enquanto padre, ver uma Igreja que não depende do padre, que não vê o padre durante um ano e está absolutamente organizada, deixou-me maravilhado. Portanto, se há, por um lado, um choque cultural, por outro lado há uma experiência de estupefacção perante uma Igreja que se organiza independentemente da sua estrutura hierárquica, ou melhor, para lá da sua estrutura hierárquica.


Falou da questão do choque cultural. Quando chegou lá, o que é que mais o "chocou"?

É difícil fazer essa triagem. É tudo tão diferente. Desde o cheiro da terra, que quando chove, por exemplo, tem um cheiro absolutamente único, até à proximidade que o céu tem com a terra — parece de facto muito mais baixo, porque não tem muitos edifícios. A comida, o modo de vestir das pessoas, a maneira de cantar, a forma como entendem o conceito de família, o modo de celebrar qualquer momento, qualquer rito da vida. O choque cultural é, eu diria, de 180º de viragem. Tirando aquilo que é absolutamente único do ser humano, e mesmo enquanto ser humano cristão, tirando aquele núcleo essencial, aquilo a que se chamaria a estátua interior de cada um de nós, acho que tudo é diferente. (…)

O espírito, agora, difere daquele que vivenciou antes de partir em missão pela primeira vez?

O espírito fundacional é exactamente o mesmo. A itinerância como um conceito de missão, ou o conceito de itinerância que é típico daqueles que seguem Jesus Cristo. A diferença é que eu fui associado a um instituto missionário. Agora, vamos como comunidade da Arquidiocese de Braga. É muito diferente, porque estamos a falar de um início de projecto, ou seja, há muitas interrogações, muitas questões que ainda não são absolutamente claras do ponto de vista prático. Vão dois leigos e um padre, que vão formar uma comunidade nova, assumir uma missão e uma paróquia que neste momento não tem nenhuma comunidade religiosa. O espírito fundacional é exactamente o mesmo, mas do ponto de vista prático temos um rosto muito mais arquidiocesano e muito mais espelho de uma diocese que quer deixar de ser sedentária. E com essa variante é tudo absolutamente novo.


Já têm algum plano traçado daquilo que vão fazer, ou só o farão depois de conhecerem a comunidade?

Qual era o plano de Jesus Cristo quando começou o seu trabalho? Ele traçou-o, ou melhor, Isaías já o havia traçado. Ele disse: “O Senhor enviou-me a anunciar a boa-nova aos pobres”. Este era, digamos, o plano. Então, nós vamos sentir-nos enviados, vamos levar o que temos e receber o que nos for dado, e será muito. Portanto, o plano é este. Obviamente que há questões práticas que tentaremos levar para terreno, mas isso é irrelevante, de momento. Nós queremos levar um sinal de comunhão da Igreja de Braga com a Igreja de Pemba, queremos levar o Evangelho, que é boa notícia, alegria, bom humor, encontro de culturas, que é este "escolher irmãos". Isso levamos para pôr em prática. O resto será fruto do Espírito Santo, da realidade como ela se apresentar. Ainda vamos calçar as sandálias deles, tentar perceber quais são os terrenos que vamos calcorrear, portanto, não há planos pré-feitos.

 

Davide Duarte, 31 anos


O que te levou a partir em missão? Importa sublinhar que, para além de tudo o que essa decisão envolve, implicou abdicar de um emprego na tua área de formação.

Estou convencido que nada é por acaso. Esta decisão é a continuidade de um certo caminho. Não é que eu ande há muitos anos com estas experiências missionárias, mas desde que comecei foi algo que me foi apaixonando, tanto em projectos aqui em Portugal como fora. Obviamente que será um passo diferente, mais arisco, não basta simplesmente tirar férias para o fazer. Neste caso, mesmo a questão do trabalho obriga a outra gestão, a outros pensamentos, mas estou convicto que é uma opção interessante e que fará todo o sentido nesta fase. 


Como é que as pessoas à tua volta encararam esta decisão?

Há diferentes reacções... Quem está um pouco envolvido e me vai conhecendo, percebe que este é um acto normal. Dou o testemunho da minha mãe que sabia que, mais cedo ou mais tarde, as coisas iriam acontecer. O feedback que me dá é sempre “já estava à espera” ou “já estava a demorar”. Por isso, quem me vai conhecendo vai tendo uma reacção de um grande apoio, apesar de, às vezes, para aqueles que gostam de mim, ser difícil digerir. Obviamente que quem não está tão dentro deste assunto, “cai um bocadinho do nada” e aí as reacções podem ser um pouco diferentes... Alguns apontam “falta de juízo”, ou... Mas é natural. Para quem não vive alguma experiência missionária, alguma dedicação que se vai tendo na vida, é difícil perceber. Ainda por cima, no meio onde vivemos, onde eu trabalho, por exemplo, onde as pessoas são capazes de abdicar de relações humanas para um crescimento profissional, é difícil, às vezes, entenderem. Mas creio que até os contactos com essas pessoas podem ser uma missão importante.


Já alguma vez tinhas ido para fora em projectos de voluntariado?

Estive no Norte de Angola, mais propriamente Cangula, porque eu integro o grupo Diálogos — Leigos SVD para a Missão, que pertence ao Instituto dos Verbitas, onde sempre fiz voluntariado aqui em Portugal. Fui fazendo em tempo de férias, em que é tudo muito mais fácil, mas mesmo assim implica fazer opções. Essa experiência de Angola foi durante um mês, algo muito pacífico de arriscar, de dizer “sim”, mas muito interessante. Temos tendência para fazer comparações, mesmo agora nesta partida, mas são projectos que provavelmente não têm nada a ver. Mas o facto de já ter alguma experiência é sempre um conforto, já não é aquele sair pela primeira vez.


Com que expectativas vais?

Eu costumo dizer que o mais importante é voltar e dizer “valeu a pena”. Expectativas concretas, não é que dê para exprimir… O mais importante é a própria vivência lá, sentir Igreja, sentir comunidade, que seremos parte integrante da própria comunidade que já existe. A partir daí acho que tudo poderá ser potencial, as expectativas creio que vão surgir quando estiver lá.


Há alguma coisa que receies?

O maior receio é sempre com aquilo de que abdicámos cá para poder ir. Obviamente que o afastamento da família, por exemplo, pode acontecer alguma coisa... Já nem digo a mim, mas pode acontecer alguma coisa que me impossibilite de continuar, e esse é um desafio que tenho pela frente neste momento. É um objectivo chegar ao final, seguir, dizer que valeu a pena, mas depois claro que há outras coisas à nossa volta como família, namorada. Algum receio de acontecer alguma coisa que me faça estar muito dividido e que eu não consiga estar de corpo e alma em Pemba, Ocua.


O que deixas para trás?


Para ti, qual é o papel de Cristo nesta decisão?

Na minha opinião, e com base nas conversas que fui tendo quando foi lançado este desafio, a maior interrogação era perceber de onde vinha este desafio. Eu quero acreditar que foi Deus que o pôs no meu caminho. Se é a altura certa ou não, também quero acreditar que é, para ter acontecido nesta altura, para ter recebido alguns sinais nesse sentido. Cristo é a única meta, Cristo é aquilo que nos mexe, pelo menos a mim.

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