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DACS | 23 Fev 2021
Rendimento Básico Universal: poder respirar outra vez!
"Catholic Voices" organizaram "webinar" para debater o Rendimento Básico Universal apontado pelo Papa Francisco.
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As “Vozes Católicas”, um movimento que surgiu no Reino Unido para ajudar a uma maior representação da Igreja nos média, realizou no dia 18 de Fevereiro um webinar para debater o Rendimento Básico Universal sugerido pelo Papa Francisco.

Em “Let Us Dream”, o novo livro de Bergoglio escrito com Austen Ivereigh, o Papa Francisco diz que “reconhecer o valor dos não empregados para a sociedade é uma parte vital do repensar do mundo pós-Covid”. Acrescenta ainda: “É por isso que acredito que é hora de explorar conceitos como o Rendimento Básico Universal (RBU), também conhecido como «imposto negativo de rendimento», um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos, que poderia ser repartido através do sistema tributário.”

“Uma ideia cujo tempo chegou?”, perguntam as “Vozes Católicas”. Outrora uma ideia marginal, o RBU tem ganho cada vez mais terreno com economistas e comentadores de todos os lados a apontarem-no como uma solução para muitos dos desafios que a nossa sociedade e economia agora enfrentam: desemprego de longo prazo devido à tecnologia, exigências contraditórias aos cuidadores, bem como a necessidade de as pessoas darem algum do seu tempo à comunidade.

Respondendo ao apelo do Papa para uma discussão sobre a ideia, o webinar organizado em conjunto com o Basic Income Conversation, um projecto que se dedica a estudar e investigar os possíveis benefícios do RBU no Reino Unido, reuniu várias pessoas para uma conversa inicial sobre um conceito ainda desconhecido para a maioria das pessoas. O que é o RBU? Como é que funciona... funciona realmente? E como é que encaixa nos ideais do ensino da doutrina social da Igreja?

 

Insegurança, a epidemia da era moderna

Austen Ivereigh, a quem coube a moderação do webinar, começou por explicar que a ideia da conversa era a de levantar questões, sublinhando que, em tempos de Covid-19, se torna ainda mais importante debater todas as propostas que possam ajudar as pessoas a ultrapassar a insegurança que se faz sentir.
 

Austen Ivereigh © DR

“Muitas pessoas perderam o emprego, viram os seus rendimentos reduzidos e não conseguem arranjar trabalho. A precariedade é o que mais descreve o trabalho de hoje em dia… Precariedade, incerteza e insegurança são constantes e produzem tremenda ansiedade e sofrimento”, sublinhou.

De acordo com Ivereigh, um dos objectivos do RBU é precisamente tornar mais fácil a participação de todas as pessoas no mercado de trabalho. Esta ideia, como veremos adiante, foi desenvolvida por Michael Pugh, Director do Basic Income Conversation.

Ivereigh citou ainda a Parábola dos Trabalhadores da Vinha, no Evangelho de São Mateus, em que alguns trabalhadores explicaram ao proprietário de uma vinha que não trabalhavam por não terem sido contratados.
 

“Se toda a gente tiver o mesmo nível básico de segurança, toda a gente pode fazer as suas escolhas… e melhores escolhas! A segurança também nos deixa mais saudáveis, reduz o crime, deixa-nos menos ansiosos e mais resilientes às crises. Sabendo que há qualquer coisa garantida, todas as semanas ou meses, as pessoas também começam arriscar mais, enveredando  pelo empreendedorismo, por exemplo. O RBU também ajuda a economia local e dá-nos o poder de dizer «não» a relações exploradoras, dando às pessoas uma liberdade perdida.”


D. John Arnold, Bispo da Diocese de Salford e Presidente do Conselho Administrativo da CAFOD, uma organização de caridade católica de desenvolvimento internacional, afirmou que o mundo se encontra perante uma era de mudança, independente da pandemia de Covid-19.

“A mudança da era industrial para a digital e a consequente globalização estavam aqui bem antes de a pandemia chegar. Olhemos com atenção para as alterações climáticas, conflitos e guerras que continuam a originar deslocações forçadas de pessoas: tantos refugiados e migrantes!”, alertou.

D. John Arnold © Marcin Mazur 

A pandemia veio apenas agudizar uma crise há muito instalada, segundo o prelado. Tendo em conta o mercado actual de trabalho, que em todos os locais torna os ricos mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, as consequências da pandemia de Covid-19 foram especialmente devastadoras para os mais empobrecidos.

“Como disse o Papa Francisco, pode ser que a pandemia nos mude e que também nos permita avançar com novas formas de hospitalidade e solidariedade. Há duas formas de emergir de uma crise: ou não aprender nada com ela, ou emergir mais fortes e sábios, mais empenhados em construir algo novo. Fala-se muito em regressar à normalidade, mas a verdade é que a normalidade não tem dado grandes resultados. É mesmo por aí que queremos ir?”, questionou.

O Bispo afirmou que o RBU, se implementado, poderia ser uma expressão concreta da doutrina social da Igreja, conferindo dignidade às pessoas.

“Haveria menos pobreza, menos pessoas forçadas à migração, menos insegurança. Toda a gente teria comida!… Temos de perceber que, a acontecer, não estamos a falar de um estado totalitário em que toda a gente tem de ser igual, mas sim de um mundo onde ninguém é deixado para trás e tem, pelo menos, algumas oportunidades”, adiantou, frisando que todas as pessoas acabariam por sair beneficiadas, ricos e pobres.

 

A valorização dos cuidadores

A Michael Pugh, Director do Basic Income Conversation, coube a tarefa de explicar como poderia o RBU ser implementado e funcionar realmente.

“A insegurança é a maior experiência da era moderna: as pessoas estão inseguras no trabalho, em casa, na saúde… E esta insegurança é causada por políticas instáveis. Trabalhos como cuidar de crianças, familiares idosos ou com deficiência não são valorizados. O RBU mudaria isso, por exemplo”, adiantou.

Michael Pugh

O responsável frisou que o RBU, uma ideia já antiga, assenta sobretudo na “justiça” e que, apesar de nunca ter sido totalmente implementado em nenhum país, já há experiências em algumas regiões, como a Finlândia. Este país terá concluído que a taxa de saúde mental da população aumentou e as pessoas não pararam de trabalhar, apesar de terem um rendimento mensal garantido. O mesmo se terá verificado no Canadá. Michael ficou especialmente impressionado com os testemunhos de alguns beneficiários do rendimento que terão dito, entre outras coisas: “posso respirar outra vez” e “sinto-me novamente humano”. O RBU tem a possibilidade de mudar radicalmente a forma como vivemos, sublinhou Pugh, mesmo que se traduz em apenas 250 a 500 euros por mês.

“Se toda a gente tiver o mesmo nível básico de segurança, toda a gente pode fazer as suas escolhas… e melhores escolhas! A segurança também nos deixa mais saudáveis, reduz o crime, deixa-nos menos ansiosos e mais resilientes às crises. Sabendo que há qualquer coisa garantida, todas as semanas ou meses, as pessoas também começam arriscar mais, enveredando  pelo empreendedorismo, por exemplo. O RBU também ajuda a economia local e dá-nos o poder de dizer «não» a relações exploradoras, dando às pessoas uma liberdade perdida”, sublinhou.
 

“É importante que a dignidade humana seja devolvida às pessoas e claro que cuidar de alguém é uma forma de trabalho. Pessoas que cuidam de crianças, doentes e idosos trabalham! Mas será que o RBU seria realmente a única forma de valorizar o trabalho dessas pessoas?”


E como seria o RBU possível? Através de um sistema de impostos mais justo, em que os ricos pagariam mais, ou através da partilha de recursos e lucros de determinadas empresas e organizações estatais. E porque não dar o RBU apenas aos mais marginalizados, aos que precisam realmente?

“Porque o mais justo é dar a toda a gente. Os ricos ficariam mais ricos em teoria, sim, mas também pagariam mais impostos. O RBU é sobre justiça e não seria justo alguém ter tratamento especial, para o bem e para o mal”, concluiu.

Ruth Kelly, do Concelho Vaticano para a Economia, foi quem mais levantou dúvidas sobre a exequibilidade do RBU, apesar de reiterar as palavras dos colegas de painel.

Ruth Kelly © Telegraph

“É importante que a dignidade humana seja devolvida às pessoas e claro que cuidar de alguém é uma forma de trabalho. Pessoas que cuidam de crianças, doentes e idosos trabalham! Mas será que o RBU seria realmente a única forma de valorizar o trabalho dessas pessoas?”, questionou.

Sobre esta situação particular, a responsável considera que a prioridade deve ser dada às famílias e que a única forma de as ajudar, encarando-as como um todo, é alterar o sistema de impostos. Ruth sublinhou que a atenção deve ser dada às famílias e não às pessoas que as compõem, de forma individual.

“Acho incrivelmente importante reconhecer o trabalho dos cuidadores, mas não acho que esse reconhecimento deva passar pelo dinheiro, porque o dinheiro sozinho não comporta o conceito de família. O RBU desconstruiria o actual benefício de família, individualizando o conceito”, alertou.

 

Rendimento Básico Universal é diferente de Rendimento Básico

Sabendo que o RBU, encarado como está a ser, é incondicional, não havendo requerimentos ou contingências, Ruth também considera importante distingui-lo do rendimento básico que alguns países desenvolvidos já atribuem. 

“A forma como o Estado costuma fazer isso é aumentar os impostos aos mais ricos, dando uma rede de segurança aos mais pobres. A diferença é que o RBU é uma coisa para te ser dada independentemente do que tenhas”, explicou, confirmando o que Pugh já havia dito.

Contudo, Ruth considera que, se o valor for demasiado baixo, não chegará para ajudar as pessoas em situações mais difíceis. Para se chegar a um valor que as pudesse ajudar, as taxas de impostos necessárias teriam que ser muito altas. 
 

“A nossa atenção está focada em soluções que ajudem a suavizar as desigualdades, o mercado de trabalho e o papel das empresas e instituições, assim como pensar novos modelos para o mercado financeiro. O RBU parece uma solução radical… será que pode ser a ferramenta necessária para garantir a dignidade aos trabalhadores, qualquer que seja a sua profissão?”

“Os impostos teriam que ser mesmo gigantes! O RBU é um conceito muito dispendioso… Será que resultaria mesmo? Os países que poderiam fazer isto são precisamente os que têm menores níveis de pobreza. Um país como a Finlândia teria que fazer um teste, mas acho mesmo difícil fazer isto resultar. Além disso, não é suficiente para combater a pobreza, teriam que ser acrescentados outros benefícios. Não pode ser uma solução única”, sublinhou.

Já a Irmã Alessandra Smerilli, coordenadora da “task-force” do Vaticano para a Covid-19, pareceu estar mais optimista.

“Quando o Papa Francisco estabeleceu esta comissão, pediu para sermos concretos e prepararmos o futuro. Preparar o futuro é diferente de preparar-nos para o futuro. Isto significa que está nas nossas mãos alterá-lo, com ciências positivas e imaginação. Este webinar é uma das formas de concretizar as palavras do Papa Francisco”, começou por dizer.

 Irmã Alessandra Smerilli © DR


A responsável também explicou que é preciso estar ciente de que este tipo de iniciativas pretende levantar questões, mais do que dar respostas, e salientou também o cuidado e o trabalho como dimensões fundamentais do ser humano.

“A nossa Comissão pretende promover uma nova solidariedade universal, a começar pelos mais desprotegidos, e restaurar a harmonia com o ambiente, sendo que a conversão espiritual deve mostrar o caminho. Queremos promover o bem-estar, tanto das pessoas, como das instituições e do planeta”, afirmou.

A Irmã Smerilli também lembrou as muitas facetas da crise provocada pela pandemia de Covid-19, todas com desigualdades estruturais como base, sendo necessário sonhar uma nova visão económica que dê esperança a todos os indivíduos.

“A nossa atenção está focada em soluções que ajudem a suavizar as desigualdades, o mercado de trabalho e o papel das empresas e instituições, assim como pensar novos modelos para o mercado financeiro. O RBU parece uma solução radical… será que pode ser a ferramenta necessária para garantir a dignidade aos trabalhadores, qualquer que seja a sua profissão?”, questionou.


 

Com ou sem incentivo, a maioria das pessoas quer trabalhar

Para além de todos os pontos positivos enunciados pelos colegas durante o webinar, a Irmã alertou para o facto de ser necessário acabar com alguns mitos, como o de as pessoas não quererem trabalhar a partir do momento em que recebem o RBU. Smerilli afirmou que o RBU tem de fazer parte de um processo colectivo, que coloque a pessoa e a dignidade no centro e que seja capaz de garantir verdadeira liberdade a todos, especialmente aos mais vulneráveis.

“Temos de perseguir uma visão partilhada do desenvolvimento humano integral. Só assim conseguiremos o acesso universal aos três T’s: trabalho, tecto e terra. Quanto aos cuidadores, é necessário implementar estruturas que permitam aos cuidadores que assim desejam sê-lo a tempo inteiro ou em part-time”, afirmou.

A Sean Healy, Director da Justiça Social da Irlanda, uma organização que se dedica a pensar uma sociedade mais justa, coube encerrar o webinar.

Sean Healy © DR

“O RBU é uma ideia muito antiga, a Conferência Episcopal da Irlanda já a promove desde a década de 80. As coisas estagnaram várias vezes devido às sucessivas crises financeiras do país, mas no programa de 2020 com que o actual Governo se comprometeu, está previsto um projecto piloto do RBU. Será para começar a garantir este rendimento aos artistas e animadores, que tanto sofrem com a pandemia”, explicou.

A organização à qual Healy preside já estuda o RBU há muitos anos e há várias análises e propostas para este projecto que podem ser consultadas no site da organização.

“As pessoas têm medo que o RBU encoraje as pessoas a não trabalhar. Os nossos estudos mostram precisamente o contrário. Sem incentivo algum, as pessoas querem trabalhar na mesma, querem participar activamente na construção da sociedade. Porque haveria de ser diferente com uma pequena quantia de dinheiro? Façam a vocês mesmos esta pergunta: se vos dessem o RBU, deixavam de trabalhar, deixavam o vosso emprego? Faço essa questão há trinta anos e ainda não encontrei uma pessoa que me dissesse que deixaria tudo”, concluiu.

As “Vozes Católicas” surgiram em 2010 com o treino de seis meses de 24 leigos e um sacerdote em preparação para a visita do Papa Bento XVI ao Reino Unido. As presenças do movimento em mais de 100 programas naquela época causaram uma grande impressão nos bispos e nas emissoras, tendo sido desafiados a continuar.

Desde então, o projecto cresceu de várias maneiras no Reino Unido e espalhou-se rapidamente pelo mundo: até agora, mais de vinte grupos de “Vozes Católicas” surgiram em diferentes países da Europa, Américas e Austrália. Portugal é um deles.

 

 

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