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Para Byung-Chul Han, o vírus faz com que os problemas da sociedade que existiam antes da pandemia se acentuem ainda mais. Nesse sentido, e num breve ensaio que publicou no passado Domingo, no jornal espanhol El País, afirmou que a enorme sensação de cansaço é de longe o mais notório dos problemas.
“De um modo ou de outro, hoje, todos nós nos sentimos muito cansados e extenuados. Trata-se de um cansaço fundamental, que permanentemente e em todas as fases acompanha a nossa vida como se fosse a nossa própria sombra. Durante a pandemia, sentimo-nos até mais esgotados do que o costume. Até mesmo a inactividade forçada pelo confinamento nos cansa. Não é a ociosidade, mas sim o cansaço, que impera em tempos de pandemia”, explicou.
O autor de “Sociedade da Transparência” considera que este cansaço é algo que já vem de trás e a chave para entendê-lo é a autoexigência que os seres humanos impuseram como norma nas sociedades neoliberais.
“O que caracteriza o sujeito desta sociedade que, ao ver-se forçado a ser produtivo, se explora a si mesmo, é a sensação de liberdade. Explorar-se a si mesmo é mais eficaz do que ser explorado por outros, porque devolve uma sensação de liberdade”, diz Han.
Outro aspecto importante para o filósofo é a perda dos rituais aos quais a presencialidade havia habituado os seres humanos. “Os rituais geram uma comunidade sem comunicação, enquanto hoje o que predomina é uma comunicação sem comunidade”, diz.
No fundo, para Han trata-se de mais uma demonstração de que o vírus acentua um mal já existente. Neste caso, o que descreveu como “a permanente encenação do ego” nas nossas sociedades.
“O vírus acelera o desaparecimento dos rituais e a erosão da comunidade. São eliminados até mesmo esses rituais que ainda restavam, como ir ao futebol ou a um concerto, comer num restaurante, ir ao teatro ou cinema. A distância social destrói o social. O outro tornou-se um potencial portador do vírus de quem tenho que manter distância”, explicou.
Nesse sentido, mostra-se crítico em relação à comunicação digital, a única forma que o mundo encontrou para seguir em frente. O seu principal alvo são as videoconferências, que geram o que classifica como “videonarcisismo”, ou uma exagerada preocupação com a imagem. Precisamente numa época em que antes da pandemia já existia uma febre de selfies e uma exaltação icónica.
“O videonarcisismo tem alguns efeitos secundários absurdos: provocou um aumento exponencial de operações estéticas. Ver no ecrã uma imagem distorcida ou desfocada faz com que as pessoas comecem a duvidar do seu próprio aspecto. Quando o ecrã tem boa resolução, percebemos logo as rugas, a queda progressiva do cabelo, manchas na pele, papos nos olhos e outras alterações na pele pouco estéticas... O espelho digital faz com que as pessoas caiam numa dismorfia, ou seja, que prestem uma atenção exagerada a possíveis defeitos do seu aspecto corporal”, observou.
Neste sentido, retoma o conceito de cansaço, e explica que – como efeito do vírus – a comunicação digital é outro factor que esgota (ainda mais) as pessoas.
“A comunicação digital desgasta-nos imenso. É uma comunicação sem ressonância, uma comunicação que não nos traz felicidade. Numa videoconferência, por motivos meramente técnicos, não podemos olhar nos olhos uns dos outros. Fixamos o olhar no ecrã. Para nós, é esgotante que falte a visão do outro”, adiantou.
Por isso mesmo, defende que se tome consciência da importância da comunicação presencial, face a face, para além dos ecrãs.
“Tomara que a pandemia nos faça perceber que a simples presença corporal do outro tem alguma coisa que nos faz sentir felizes, de que a linguagem implica uma experiência corporal, que um diálogo bem sucedido pressupõe um corpo, que somos seres corpóreos”, alerta.
A depressão é o principal sintoma que Han enquadra dentro da “sociedade do cansaço”, acentuada, na sua opinião, precisamente pela ausência de relações interpessoais presenciais.
“Durante a quarentena, sem contacto social, acentua-se a depressão, que é a autêntica pandemia do presente”, afirmou o filósofo.
Mas, e de regresso ao que defende, a depressão é outro sintoma de uma sociedade que já estava cansada e que a pandemia apenas tornou mais evidente.
“A depressão é um sintoma da sociedade do cansaço. O sujeito forçado a ser produtivo e a render sofre a síndrome do desgaste profissional (em inglês, burnout) a partir do momento em que sente que já não consegue mais. Fracassa por culpa das exigências de produtividade que impõe a si mesmo. A possibilidade de não poder mais leva-o a fazer repreensões destrutivas a si mesmo e a agredir-se. O indivíduo luta contra si mesmo e sucumbe por isso mesmo. Nesta guerra travada contra si próprio, a vitória é do desgaste laboral”, explica.
Como expressão destes pensamentos, Han cita o aumento dos suicídios no seu país. “Desde que a pandemia começou, o índice de suicídios aumentou vertiginosamente na Coreia. Parece que o vírus é um catalizador da depressão. No entanto, a nível global, ainda se dá muito pouca atenção às consequências psicológicas da pandemia”, alertou.
Mas nem tudo está perdido. Para Byung-Chul Han, a crise sanitária é uma oportunidade para redefinir a forma como vivemos e, desta forma, podermos sair do cansaço endémico que refere, já que o vírus de alguma maneira sobrecarrega a sociedade do cansaço, tornando-o um vírus do cansaço.
“O vírus é, além disso, uma crise no sentido etimológico de krisis, que significa «ponto de inflexão». Ao fazer-nos um apelo urgente para que mudemos de vida, também pode causar a reversão desta precariedade. Só poderemos chegar aí se submetermos a nossa sociedade a uma revisão radical, se conseguirmos encontrar uma nova forma de vida que nos torne imunes ao vírus do cansaço”, concluiu.
A “Sociedade da Transparência” e outros títulos do autor encontram-se à venda na Livraria Diário do Minho.
Artigo de Pablo Retamal N., publicado em “La Tercera”, a 21 de Março de 2021.
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