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DACS com Crux | 20 Mai 2021
"Lamentável que alguns neguem a origem humana da crise climática"
Padre salesiano Joshtrom Isaac Kureethadam afirma que algumas coisas precisam mesmo de mudar no que diz respeito à interacção da humanidade com a natureza.
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  © Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral

A encerrar a celebração do "Ano Laudato si’", que começou no quinto aniversário da encíclica ecológica do Papa Francisco, o Vaticano está a promover uma série de eventos durante esta semana, disponíveis online, enquanto impulsiona centenas de eventos locais organizados em todo o mundo.

A "Semana Laudato si’", de 16 a 25 de Maio, é organizada pelo Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, em parceria com o Movimento Católico Global pelo Clima, que actua como facilitador de um grupo de mais de 150 parceiros católicos que participam na iniciativa.

A programação oficial foi elaborada pelo gabinete de Ecologia e Criação do Dicastério, coordenado pelo padre salesiano Joshtrom Isaac Kureethadam, que afirma que algumas coisas precisam mesmo de mudar no que diz respeito à interacção da humanidade com a natureza.

“A minha «conversão ecológica», de certa forma, começou com lágrimas quando eu entrei em contacto com o imenso sofrimento que a crise ecológica está a provocar, especialmente entre os pobres e os mais vulneráveis, que foram os que menos contribuíram para causar o problema em primeiro lugar, em termos das emissões de carbono, por exemplo”, afirmou ao Crux.

Kureethadam disse que é “lamentável” que muitos sejam cépticos sobre a crise climática em curso ser antropogénica na sua origem e argumentou que a resistência em reconhecer esse facto é “engendrada principalmente por interesses económicos velados e, em alguns casos, também por ideologias partidárias”.

“A verdadeira questão é que reconhecer o consenso científico no que diz respeito a este assunto exige uma mudança radical na forma como os nossos sistemas económicos e políticos operam”, disse.

 

Quão importante é a Laudato si’?

A Laudato si’ é, certamente, uma encíclica histórica. Ela é importante por pelo menos três motivos. Em primeiro lugar, a Laudato si’ conseguiu capturar o desafio dramático e crítico que enfrentamos actualmente, ou seja, o colapso da nossa própria casa. O primeiro capítulo da encíclica, intitulado “O que está a acontecer à nossa casa?” vai directamente ao encontro da enormidade deste desafio. “Basta olhar a realidade com sinceridade para ver que há uma grande deterioração da nossa casa comum”, conclui o Papa no capítulo. A segunda razão pela qual a Laudato si’ é importante é por ter mudado o modo como olhamos e falamos sobre os problemas ambientais. O subtítulo da encíclica é “sobre o cuidado da casa comum”.

O Papa Francisco diz-nos que não é apenas um problema ambiental, ou mesmo um conjunto deles. Trata-se da nossa própria casa que está a desmoronar. Acho mesmo que o uso que o Papa Francisco fez da expressão “a nossa casa comum” tocou muitos corações. Não estamos a falar de algo externo. Estamos a falar da nossa própria casa. Quando a nossa casa está a pegar fogo, não nos podemos dar ao luxo de nos sentarmos e observá-la passivamente.

A terceira razão pela qual a Laudato si’ é importante é a abordagem da ecologia integral. Ela vê a crise ecológica de uma forma holística, como “o clamor da terra e o clamor dos pobres” (n. 49).

Mais uma vez: não é apenas um texto ambiental, mas também uma encíclica social. De facto, em várias ocasiões, o próprio Papa Francisco lembrou-nos que a Laudato si’ não é uma encíclica verde, mas social. A abordagem integral é evidente na metafísica ou na filosofia subjacente à encíclica, nomeadamente que tudo está interligado, que estamos todos interconectados e somos todos interdependentes (o tema do quarto capítulo da encíclica que tem o título de “Ecologia integral”).

 

Já se passaram seis anos desde o lançamento da encíclica do Papa. Tendo trabalhado de perto no cuidado da criação desde há vários anos, viu uma mudança de atitude ou mais pessoas que passaram, por exemplo, a reutilizar, reduzir, reciclar?

Sim, a Laudato si’ foi uma espécie de divisor de águas não apenas para a Igreja, mas também para o mundo inteiro. A influência que teve na Igreja Católica é evidente nas numerosas iniciativas que surgiram em muitas comunidades locais na área do cuidado da criação. Isso ficou muito claro no entusiasmo e na criatividade dos católicos de todo o mundo na celebração do "Ano Laudato si’", que foi anunciado pelo Papa Francisco no ano passado e que irá terminar no dia 24 de Maio deste ano. Também devo salientar que as comunidades do hemisfério Sul têm sido verdadeiras líderes nesse sentido. Graças à Laudato si’, os católicos uniram-se aos ortodoxos e às outras denominações cristãs para celebrar o Tempo da Criação (1 de Setembro a 4 de Outubro), que se tornou verdadeiramente ecuménico.

A Laudato si’ também estimulou outras religiões a envolverem-se mais no cuidado da Terra. Logo após a publicação da encíclica, os judeus publicaram a “Carta Rabínica sobre a Crise Climática” e os muçulmanos a “Declaração Islâmica sobre Mudanças Climáticas Globais”; os budistas, a “Declaração Budista sobre Mudanças Climáticas para Líderes Mundiais”, e os hindus, a “Bhumi Devi Ki Jai! Uma Declaração Hindu sobre Mudanças Climáticas”. É maravilhoso ver tal “mudança de coração” não apenas dentro da Igreja Católica, mas também nas esferas ecuménicas e inter-religiosas. E o elemento mais notável é que fomos capazes de ir além dos slogans de “reutilizar, reduzir, reciclar”, pois há uma maior consciência de é necessária uma abordagem totalmente nova na forma como entendemos e respondemos à crise da nossa casa comum, que, para os fiéis, é a criação de Deus, confiada à nossa administração.

 

O que nos pode dizer sobre a sua jornada para entender a importância do cuidado da criação?

A minha jornada para compreender a importância de do cuidado da criação foi moldada por dois factores. Em primeiro lugar, enquanto trabalhava numa área de missão na Índia, vi como a crise climática está a afectar a vida das comunidades, especialmente dos pobres. Eu morei e servi numa área onde havia (e infelizmente ainda há) casos trágicos de agricultores que se suicidam porque perdem as suas colheitas ano após ano devido às secas e a outros desastres naturais desencadeados pelo clima. A minha “conversão ecológica” começou de certa forma com lágrimas, quando entrei em contacto com o imenso sofrimento que a crise ecológica está a provocar, especialmente entre os pobres e os mais vulneráveis, que menos contribuíram para causar o problema em primeiro lugar, em termos de emissões de carbono, por exemplo.

Um segundo factor é a minha própria formação intelectual. Sou professor de Filosofia da Ciência há vários anos e uma das disciplinas que mais gosto de ensinar é Cosmologia. Com o passar dos anos, descobri como a Terra é especial, esse “minúsculo pontinho azul” (para citar Carl Sagan), esse planeta “Caracóis Dourados” que muitos cosmologistas, incluindo o astrónomo real Martin Rees, gostam chamar de Terra. Enquanto contemplamos com admiração as condições únicas que tornam a Terra um “lar para a vida”, também nos damos conta de que ela é frágil, e as actividades humanas têm hoje a capacidade de perturbar e destruir o equilíbrio delicado que permite que a vida floresça neste planeta.

 

Até hoje, há quem veja as mudanças climáticas como uma “conspiração”, ou não quer reconhecer que, para além da ciência, a criação foi confiada por Deus à humanidade para cuidar dela. Há muitas palestras e painéis a acontecer esta semana. Há algum em particular que recomendaria aos “cépticos”, não do ponto de vista da ciência, mas da fé?

Essa é uma situação muito lamentável. A ciência do clima cresceu significativamente ao longo das últimas décadas e há um consenso unânime da comunidade científica de que a actual crise ecológica, no caso das crises climáticas e da biodiversidade, se deve às actividades humanas. Por outras palavras, elas são de origem antropogénica. Como académico, posso afirmar isso.

Na redacção da Laudato si’, o Papa Francisco foi ajudado por alguns dos melhores cientistas de todo o mundo, incluindo membros da Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano. É verdade que houve resistência de alguns sectores da opinião pública nas últimas décadas. No entanto, a questão não é assim tão simples, visto que tal resistência é engendrada principalmente por interesses económicos adquiridos e, em alguns casos, também por ideologias partidárias. A verdadeira questão é que reconhecer o consenso científico no que diz respeito a este assunto exige uma mudança radical na forma como os nossos sistemas económicos e políticos operam. O chamado “cepticismo” tem sido cultivado através de financiamentos e outros recursos políticos. É um caso de déjà-vu. Já vimos isso no início dos anos 1960, quando Rachel Carson e outros cientistas provaram que os pesticidas e fertilizantes químicos podiam ter um impacto negativo na saúde humana, causando cancros e outros problemas. Vimos isso também na táctica de cepticismo empregada pela indústria do tabaco contra os médicos que provaram que fumar é prejudicial à saúde. Esta estratégia que aparece nos manuais, por assim dizer, foi utilizada pela indústria dos combustíveis fósseis contra a ciência do clima.

Infelizmente, isso roubou-nos décadas preciosas de resposta à crise da nossa casa comum, e agora estamos quase no limite. As nossas crianças e jovens compreenderam essa verdade muito melhor do que muitos gurus políticos e económicos e estão a sair para a rua, alertando-nos para mudarmos de rumo.

Precisamos de recordar que, para nós, fiéis e cristãos, em particular, o cuidado da criação faz parte da nossa fé. O primeiro mandamento dado à humanidade encontra-se no Génesis 2,15, quando Adão e Eva são convidados a “cultivar e cuidar” do jardim do Éden. É a descrição do nosso trabalho, como lemos no primeiro livro da Bíblia Sagrada. A Terra é o planeta-jardim, como escreveram os bispos irlandeses numa das suas mensagens há alguns anos.

Nesse contexto, entre os vários eventos que ocorrem durante a Semana Laudato si’, sugiro aquele sobre a biodiversidade no dia 22 de Maio (que também é o Dia Mundial da Biodiversidade). Esse evento será uma celebração espiritual da beleza e da santidade da criação de Deus, na qual criaturas humanas e não humanas se reunirão em louvor ao Criador. Como conclui o último Salmo, “tudo o que respira e se move, dê graças ao Senhor”. A nossa existência, portanto, é glorificar o Criador e louvar e agradecer ao Deus Uno e Trino pelo dom da vida. “Laudato si’, mio Signore”, “Louvado sejas, meu Senhor”, como cantava São Francisco de Assis, que é também o título da encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da criação.

 

O Papa disse abertamente que esperava que a Laudato si’ influenciasse os acordos de Paris. Acha que a Semana Laudato si’ pode influenciar o encontro de Glasgow? Existe alguma verdade nos rumores de que Francisco quer ir à Escócia?

Sim, o próprio Papa Francisco disse no dia 15 de Janeiro de 2015, enquanto voava do Sri Lanka para as Filipinas em visita apostólica, que queria que a encíclica sobre o cuidado da criação fosse publicada alguns meses antes do Encontro de Paris, que estava previsto para Dezembro de 2015. Assim, nas suas palavras, “haveria um pouco de tempo entre a publicação da encíclica e o encontro de Paris, para que ela pudesse contribuir”. Foi isso que realmente aconteceu. A encíclica foi publicada em Junho, e vários líderes, incluindo o então secretário-geral da ONU, Ban-ki-Moon, comentara que a Laudato si’ foi fundamental na criação do Acordo Climático de Paris.

Acho realmente que a Laudato si’ irá influenciar o Encontro de Glasgow também, a mais importante das COPs depois da de Paris. O impulso gerado pela publicação da Laudato si’ e a insistência do Papa Francisco e da Igreja nos últimos anos na importância de não transgredir o limiar de 1,5°C de aumento de temperatura – pois isso seria catastrófico para as comunidades humanas, pelas consequências sem precedentes na área da segurança alimentar, da saúde e da migração – certamente ecoarão nas negociações em Glasgow. Em relação à visita do Papa Francisco a Glasgow, receio não estar em posição de comentar, pois é uma prerrogativa do Gabinete Papal.

Entrevista de Inés San Martín, publicada no Crux a 18 de Maio de 2021.

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