Arquidiocese de Braga -
10 outubro 2016
"Por favor, cure-me ..."
Margarida Carvalho
A enfermeira Margarida Carvalho, missionária em Pemba, Moçambique, fala sobre a sua experiência e o contacto junto daqueles que sofrem com a doença de Lepra.
Salama!
Sou a Margarida, enviada pela Arquidiocese de Braga para a Diocese de Pemba em Moçambique, juntamente com o Davide e o Pe. Jorge, no passado mês de Julho, nomeadamente para a paróquia de Sta. Cecília de Ocua, Diocese de Pemba, Moçambique. Sou enfermeira de profissão e missionária de Deus em missão.
Recentemente passei duas semanas intensivas junto daqueles que sofrem com a doença de Lepra e as suas bem visíveis sequelas. Juntamente com a Estrela, enfermeira missionária em Pemba, actualmente a trabalhar com a APARF (Associação Portuguesa de Amigos de Raoul Follereau), partimos para o distrito de Namuno, percorrendo cerca de 2000kms pelas aldeias, por caminhos de terra (“picada”, assim se chamam aqui), bem no coração do interior norte de Moçambique.
Afinal, o que é a Lepra? A Lepra é uma doença inflamatória crónica que afecta a pele e os nervos periféricos, a mucosa do trato respiratório superior e os olhos, causada por um bacilo. Éuma doença prevalente em meios carentes de adequadas condições sanitárias, de nutrição, higiene e acesso a serviços de saúde. É, portanto, uma doença filha da pobreza, sendo neste momento endémica em 15 países do mundo, entre os quais Moçambique, Angola, Brasil, Índia, Nepal.
“Tão dolorosa como a destruição física e a incapacidade é o estigma, a discriminação e o sentimento de que somente lhes resta sofrer.”
Os estudos deram-me a teoria, Moçambique ofereceu-me a prática. Sobretudo, mostrou-me a realidade. De repente dei por mim, não num hospital ou centro de saúde, mas num alpendre de chão argiloso e de paredes de pau de bambu, envolvida pelo pó e pelo zumbido dos mosquitos, a diagnosticar novos casos, a tratar as feridas/mutilações e outras consequências desta doença. Mais do que curar as feridas físicas, levamos a nossa presença, o slogan“a Lepra tem cura”, uma palavra e uma presença de esperança, para aliviar as feridas interiores. Isto porque tão dolorosa como a destruição física e a incapacidade é o estigma, a discriminação e o sentimento de que somente lhes resta sofrer. Conheci jovens e crianças em estados avançados da doença, com um futuro comprometido, adultos e idosos abandonados. Como profissional de saúde, mas sobretudo como pessoa, doeu-me imenso quando uma jovem de 25 anos, já bastante mutilada pela doença e rejeitada pelas pessoas, sentou-se à minha frente e pediu-me: “Por favor, cure-me... eu quero arranjar marido e casar!”.
Foram duas semanas de muitos encontros, com os doentes e com Deus. Muitos rostos e muitas histórias gravadas. Muitas questões interiormente levantadas, a maioria sem resposta. O meu obrigada ao projecto “Salama” e à Estrela por esta oportunidade. Aos doentes e a Deus, agradeço-lhes de joelhos…
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