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Família Carmelita | Ocua, Pemba, Moçambique| 1 Abr 2022
O Amor fez de Ocua o meu lar
Fátima Castro, Leiga Missionária na missão de Ocua, Moçambique
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  © Fátima Castro | Ocua, Pemba, Moçambique

"Salama! Mohavo?". Esta é a saudação do povo macua, que reside na paróquia de Santa Cecília de Ocua, Diocese de Pemba – Moçambique.

O dia amanhece cedo em Mahipa, uma das 17 zonas da paróquia de Santa Cecília de Ocua, que acolhe a casa da missão. Os primeiros raios de sol, um pouco antes das cinco da manhã, ditam a hora em que a aldeia acorda. O despertador alterna entre as centenas de passarinhos que habitam nas mangueiras da missão e os primeiros risos das crianças. Ouve-se também a vassoura a varrer as folhas que caíram durante a noite. Toda a aldeia está miraculosamente limpa. As mamãs acendem o lume e preparam o "matabicho". Este "pequeno-almoço" é feito de mandioca seca ou milho pilado com açúcar... quando o há. Estes são os meses onde, em muitas casas, escasseiam os alimentos. Infelizmente muitas famílias saltam esta e muitas outras refeições. Nos celeiros terminam as colheitas do ano anterior e pouco resta para se poderem alimentar. Os primeiros meses do ano, em Moçambique, são de sementeira e o povo (sobre)vive do que a terra produz. Na casa da missão, o dia começa sempre com celebração da Eucaristia e a oração das laudes, seguido de um "matabicho" ainda ocidentalizado. E aí sim, estamos todos prontos para enfrentar mais um dia.

Algumas crianças, em número ainda muito reduzido porque a educação não é uma prioridade para as famílias, vão à escola. Mulheres, homens e crianças... carregados com catanas, enxadas, bacias e baldes, seguem pelos pequenos trilhos de terra rumo às machambas (terrenos agrícolas). As mamãs, descalças, carregam à cabeça o que precisam para o trabalho e, às costas, a sua "última sorte". Há sempre uma capulana que os segura! O homem, na maioria das vezes, só leva a catana. "Aqui os homens vão livres para proteger a mulher e os filhos... É cultural, mana" - dizem-me. Quando o sol está mais forte, alguns regressam para casa. Outros aproveitam a sombra dos cajueiros e embondeiros para aguentar o enorme calor que se faz sentir. E assim passam o dia... O regresso é mais sinuoso. Á cabeça, a bacia que seguiu vazia, traz agora o pouco que a terra produziu e um molho de paus que servirá para preparar o jantar. Tudo isto, meticulosamente equilibrado na cabeça das mamãs. Sem esquecer os bebés e crianças. Esses continuam com o lugar garantido nas suas costas. O regresso é notado porque se ouvem as conversas e as risadas. O trabalho pesado não lhes tira a alegria. A doença, sim. A falta de alimentos e as chuvas intensas deixam-nos, muitas vezes, doentes: gripe, malária, disenteria, sarampo... Talvez seja por isso que a sua saudação "Salama!” vem sempre acompanhada de um "como está o corpo/ a saúde?”. Todavia, mesmo doentes, eles sabem que o sustento para a sua família depende do trabalho de cada um e por isso não ousam baixar os braços.

A noite começa a cair e é hora de começar a preparar o jantar. A vida que acontece em Mahipa, na Paróquia de Santa Cecília de Ocua - sete dias por semana - acontece em muitas aldeias de Cabo Delgado, aqui em Moçambique. Ininterruptamente.

Mas hoje é domingo. Para alguns é tempo de parar um pouco até porque se ouve, muito cedo, o sino a convidar para a Eucaristia. Este é um dos domingos em que celebrará um sacerdote. Em muitos outros domingos, a celebração da palavra é orientada pelos "animadores da palavra". Vivemos, em Moçambique, a experiência de uma Igreja ministerial. A falta de sacerdotes (são 14 os padres diocesanos para uma área geográfica que corresponde, mais ou menos, a Portugal) faz com que a Igreja dependa muito do trabalho dos cristãos leigos. A ausência de sacerdotes não esmorece a fé deste povo. Animadores de comunidade, animadores da palavra, ministros extraordinários da sagrada comunhão, vários ministérios e serviços, colocam toda a Igreja em movimento, a partir dos cristãos leigos.

A Eucaristia começa às oito. Quando o Frei António Champoco entra para o altar, as pessoas colocam-se de pé e os batuques ditam as primeiras notas. A assembleia vai-se "compondo" ao longo da celebração. Alguns já têm quase cinco horas de trabalho nas machambas. Palmas, cânticos, silêncios, e as preces feitas aleatoriamente pela assembleia, dão beleza e "ânimo" à celebração. Antes da bênção final é a hora dos "avisos". Seguiram-se as promessas. O Sr. Raimundo, a esposa, dois filhos e um neto aproximaram-se do altar para agradecer a Deus a cura da neta e a conclusão do curso que o filho David frequentava. David, acólito e um dos animadores da Infância Missionária, é agora um professor primário à espera de ser colocado. Deixando a sua oferta no altar agradeceram a Deus e à comunidade! O amor a Deus, deste povo, é impressionante, infinito e ousado!

Quando se previa o fim da celebração eis que se levanta um jovem, o António, que se mudou recentemente para a aldeia e hoje veio apresentar-se à comunidade. Aproximou-se também uma jovem: a Júlia. Reside em Nampula mas veio visitar a mãe. "Hoje é domingo e eu costumo rezar em comunidade, por isso estou aqui. Vim rezar." – disse para aqueles que a escutavam com curiosidade. Naquele momento, os dois, frente ao altar e voltados para a assembleia pediam para ser acolhidos. As palmas e os "alaridos das mulheres" não se fizeram esperar e o som propagou-se. Quanta humildade e ternura no olhar daqueles dois jovens! E quanta alegria a destes cristãos que viram neles dois irmãos em Cristo!

Agora sim. Era a hora da bênção final e do envio... não sem antes dizer aos jovens que deveriam ficar mais um pouco. A equipa missionária tinha uma proposta para eles! Começámos por lhes dizer que a Igreja e a comunidade precisam deles, e o Papa Francisco tem desafiado os jovens - adaptando à língua macua - a sair da esteira (sofá). Os mais de cinquenta jovens propuseram-se a vir no sábado seguinte! Foi-lhes pedido para trazerem uma enxada e uma flor! Depois serão distribuídos pelos diversos ministérios, mas, antes disso, o adro da igreja precisa de ser limpo e ficar belo... E eles, prontamente, disseram sim!

A manhã, que ainda ia a meio, deu-me ensejo de pedir a um dos cristãos para me acompanhar a casa de um catequista. A esposa, a mamã Hortência, está doente. Esteve internada durante quatro dias no hospital a receber transfusões de sangue. Uma grave anemia, teste positivo para malária e grávida de 7 meses. Mesmo assim, apesar das dores e do mal-estar que ainda sentia, deram-lhe alta. Disse-lhes que a cura da anemia também passava pela alimentação. Com olhar pesaroso disseram-me que não tinham dinheiro... No terno em que esteve internada só comeu chima (pasta espessa que resulta da cozedura da farinha de milho ou de mandioca)! Isto porque os hospitais não dão refeições. Quem fica internado deve levar um familiar para cozinhar para eles. No segundo dia de internamento o pai veio à missão pedir ajuda. Queria ir dar sangue à filha e também não tinha como chegar ao hospital. Aqui o sangue paga-se! Se não tiver um dador, a família terá que pagar o sangue! Depois da visita e conversar um pouquinho com os filhos da mamã Hortência, fiz o caminho de regresso. Fui parando, em várias casas, para saudar, tal como eles fazem connosco! Ao portão da casa da missão esperava-me outra mamã. Disse-me que tinha feito o teste da malária, na sexta-feira, e deu positivo... mas não lhe deram medicação! Desde a semana passada que não há medicação no posto e os doentes "são selecionados"! A malária pode ser fatal, se não for tratada, e o número de mortes (pelo menos daqueles que são contados) é aterrador. E os números têm rostos.

Depois há sempre um ou outro telefonema a fazer para organizar a semana que se segue. Aos domingos a tarde é de descanso porque a semana avizinha-se intensa. Deus também descansou ao sétimo dia, não porque estava cansado, mas para nos dar o exemplo que o descanso também nos renova. As tardes de domingo são também o tempo propício para estar com as crianças que vivem perto da missão. Jogar à bola, dar colo, brincar. Haverá melhor descanso?

O dia, na casa da missão acaba cedo porque também nós aprendemos a construir a nossa rotina em função da luz solar. Acende-se a vela do altar e, com ajuda de algumas lanternas, reúne-se novamente a equipa missionária porque é hora de rezar as vésperas. Rezamos pela vida e rezamos a nossa vida antes da partilha da última refeição. Ao "boa noite nos dê Deus" respondo sempre com "Até amanhã. Se Deus quiser.” E como diz o Caridade, um dos guardas da missão, "Deus quererá, mana, Deus quererá". Porque ele acredita que Deus quer sempre. Quer-nos sempre!

Artigo publicado na revista Família Carmelita de Abril 2022.

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