Arquidiocese de Braga -

15 março 2020

Domingo da III Semana da Quaresma

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Ontem fiz alusão à nossa debilidade, à limitação da medicina. Este tempo deveria sensibilizar-nos para escutarmos a voz de um pai amoroso que quer dar alegria e fazer festa apesar das circunstâncias. Vivemos dias adversos mas estes não podem tirar a paz e a serenidade a quem acredita. 

Hoje quero olhar para outra lição que poderemos extrair destas circunstâncias adversas. Existe uma ampla atitude de indiferença no viver moderno. Muito egoísmo e superficialidade nas relações entre uns e outros. Nesta constatação, teremos de nos convencer que nascemos para servir uns aos outros. Consciente ou inconscientemente, pensamo­s e agimos como sendo o centro de tudo, que se consegue viver sozinho. Queremos que tudo gire à nossa volta. 

Mas, de verdade, somos muito pouco. Sozinhos pouco valemos. Se o bom funcionamento do organismo depende da colaboração de células que se servem mutuamente, também teremos de entrar em idêntica dinâmica. O vírus está a envolver a todos. Alguns, esperemos que muito pouco, estão contaminados por ele. Nesta certeza, terei de cuidar da minha vida mas também terei de me sentir responsável pelos outros. Basta pouco para perturbar a estabilidade da vida de cada um. Estamos todos envolvidos e ninguém se pode sentir excluído. Só com a colaboração de todos, o problema se resolverá.

No Evangelho de hoje, Jesus pede: “Dá-me de beber”. Todos somos mendigos. Ninguém é auto-suficiente. Ninguém resolve a vida por si. Perante esta realidade do nosso viver em sociedade, teremos de aprender a alegria do dar. Falamos muito de altruísmo, voluntariado, humanização das relações, mas estamos sempre entrincheirados no nosso eu. Perante os outros, contabilizamos tudo o que nos pedem. Temos bonitas teorias, mas depois damos para ser vistos, damos para vejam que damos e que nos agradeçam, possivelmente  até diante dos meios de comunicação social. Damos só daquilo que não nos faz falta, que não presta.

Quando seremos capazes de usar a gramática do dar e do dar com alegria? Importa tornar a nossa vida uma dádiva incondicional, fazer com que a doação seja uma forma de estar na vida, dando permanentemente. Acreditar na felicidade que resulta do dar sem esperar nada em troca, sem recompensa.

Com todas estas restrições, somos convidados a estar mais tempo em casa. Pode ser algo de muito monótono. Devemos ter mais tempo para estar com os outros e encher esse tempo com gestos que mostrem que há mais felicidade em dar do que em receber. É bom conjugar este verbo activamente mas é mais cristão conjuga-lo passivamente. “Dar-se” deveria tornar-se o verdadeiro estatuto de uma família unida.

Perdemos o hábito do diálogo. Tornamo-nos dependentes das redes sociais. Porque não reagir e criar mais tempo para rezar, meditar, fazer uma boa leitura e partilhar com os outros o que se lê. Pegar na Sagrada Escritura e ouvir os seus conteúdos, fazendo depois um pouco de comunhão de alma através da partilha daquilo que Deus nos fez compreender. Na mensagem para a Quaresma aconselhei a leitura de um bom livro. Neste momento, o conselho é mais pertinente. Precisamos de conversar muito mais uns com os outros, comungando sentimentos, alegrias e tristezas. Talvez jogar juntosou comentar os acontecimentos da vida que não são só as noticias sobre o desenvolvimento do vírus. Há muita mais coisa a abordar. 

E depois, e de um modo mais sério, vamos dar mais tempo à oração. Temos tantos subsídios. Basta procurar um pouco e, neste aspecto, os mais novos podem ajudar. É a oração que une a família e a enche da alegria de viver juntos.

Também não sei se não seria nosso dever pedir aos responsáveis pelos meios de comunicação social que nos proporcionem programas adequados para um verdadeiro convívio familiar. Há tanta coisa séria que poderia servir para um enriquecimento pessoal a partir da vida familiar. Acredito que os operadores conseguem encontrar modos e maneiras para envolver as famílias, permitindo­-lhes que  preencham os tempos com coisas úteis que agradem às crianças, aos jovens e aos idosos.

Olhando para o itinerário que foi proposto para a Quaresma e para viver a esperança, treinemos, então, a arte de dar. Dar não apenas coisas materiais. Dedicação, tempo, disponibilidade, cortesia, ternura, presença fraterna. Tudo o que possa ser útil para crescer como pessoa, como cidadãos e, sobretudo, como cristãos. Reflictamos juntos se, depois deste período de reserva e isolamento, não deveremos encontrar tempo para renovar a Igreja através da oferta das nossas capacidades e talentos. Talvez o mundo civil e profissional espere, também, um pouco mais.

Não somos uma ilha que resolve sozinha os seus problemas e constrói a vida só para si. Queiramos  experimentar a beleza do dar e do dar-se. A família ganhará, as comunidades paroquiais enriquecer-se-ão e nós experimentaremos a beleza da vida, mesmo no meio dos problemas.

S. Bartolomeu dos Mártires teve de viver a responsabilidade de lutar contra uma peste que se tornou histórica. Soube estar junto dos doentes, criou espaços isolados para a recuperação. Confiemos-lhe esta intenção. Que ele nos inspire e nos dê coragem para não nos determos perante esta grande contrariedade. E, no meio de tudo isto, mostremos que é possível a alegria.

 

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 

Introdução

Iniciemos esta celebração confiando em Deus e convencendo-nos de que não devemos ter atitudes irresponsáveis, prejudiciais para nós e para os outros e predispondo-nos sempre para, conscientemente e com grande sentido de responsabilidade, acolher todas determinações das entidades governamentais, ainda que possam ser restritivas da nossa liberdade. 

Sabemos que, infelizmente, alguns sacerdotes não estão a acatar estas ordens. Que Deus os faça compreender a gravidade das suas atitudes e que os cristãos tenham a certeza de que não ir à missa, nestas circunstâncias, não é pecado.

Parece-me que desaprendemos de estar em casa. Gostaria de pedir às famílias, contando com a imaginação e criatividade dos jovens e das crianças, que encontrem modos para estar uns com os outros: rezando, jogando, convivendo. Depois enviem-nos essas iniciativas. Encarregamo-nos de as colocar a circular para utilidade dos outros.

Renovemos a nossa fé no Amor de Deus e vivamos com alegria estes Santos Mistérios.


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