Arquidiocese de Braga -
18 julho 2021
Para uma ministerialidade sinodal

Homilia na festa da Senhora do Carmo
\n \nNeste XVI Domingo do Tempo Comum quero, diante da imagem da Senhora do Carmo, pensar em todo o arciprestado de Famalicão, com as 54 comunidades paroquiais que o compõem. Estamos na recta final do ano pastoral. A pandemia tornou-o anormal. Não conseguimos dar às comunidades o ritmo que mereciam. Agora, nesta peregrinação, quero olhar para o futuro. Temos diante de nós um novo ano com o mesmo compromisso de viver intensamente a caridade, tornando as nossas comunidades verdadeiramente sinodais, de modo a mostrar que caminhamos com todos, particularmente com os vulneráveis e os que se encontram marginalizados e dobrados pelo peso das suas feridas.
Se durante este ano que termina deveríamos ter um amor que vê, agora assumimos o compromisso de mostrar que o amor só é verdadeiro quando se expressa em gestos. A palavra gestos será o nosso código a delinear caminhos para todos, cristãos e comunidades. Não estaremos a ser Igreja se não o manifestamos por gestos de solicitude e de solidariedade. Desejo que seja uma aventura encantadora, entusiasmante, desinstaladora e provocadora. Teremos de sonhar juntos uma sociedade nova que nasce do Evangelho.
A liturgia da Palavra de hoje ajudará a que as comunidades sejam capazes de delinear um projecto aglutinador de vontades. O Evangelho conta que os Apóstolos regressaram juntos, não isoladamente, ao encontro de Cristo. Contaram tudo o que fizeram e depois de tantos trabalhos seria a hora de descansar. Só que se aperceberam que a multidão reclamava uma nova generosidade. O cansaço desapareceu e reiniciou-se uma nova aventura.
É o tempo que estamos a viver. Não faltam razões para nos desculparmos. Parece-nos que muita coisa desmoronou. O desalento e o desânimo podem instalar-se. Lamentamo-nos dizendo que as comunidades parecem destruídas. É hora de recomeçar sabendo que teremos de percorrer caminhos novos. Ouvimos tantas vezes dizer que nada ficará na mesma. Também na Igreja. Isto não é o fim mas o princípio de uma igreja diferente. Cruzar os braços não leva a lado nenhum. É chegada a hora de reinventar energias e de acreditar que a noite passará e estaremos num dia novo.
Pode parecer que não temos certezas. S. Paulo na Carta aos Efésios não nos deixa ter dúvidas. Cristo fez de nós, judeus e gregos, um só povo, destruiu todas as inimizades, reuniu-nos num só corpo e tornou-nos um só homem novo. Um só povo, um só corpo, um só homem novo. Os momentos de crise na história da Igreja foram vencidos através desta certeza. Vamos continuar a falar e a programar a vida em redor da sinodalidade. Poderemos imaginar muitas coisas e ter bonitos projectos ou processos de renovação eclesial. Há premissas que condicionarão todos os trabalhos e esta é a fundamental. Não podemos sonhar juntos se não o fizermos como povo único, sendo um único corpo e crescendo com um só homem novo.
Isto tem, essencialmente, duas implicações. Em primeiro lugar, as nossas vidas terão de se entrelaçar para crescer num amor afectivo sem complexos e efectivo nos gestos que generosamente oferecemos uns aos outros. Infelizmente, temos de reconhecer que nos falta muita espontaneidade e proximidade. Quanto muito olhamos para a família de sangue, mas mesmo aí acontecem muitas divisões e contendas. O amor terá de circular muito mais entre nós e teremos de ter alegria de, como Cristo, dar a vida uns pelos outros. Não se trata só de favores ocasionais.
Eu tenho de saber que não estou sozinho, que nunca me intrometo na vida dos outros, que tenho alegria em carregar as cruzes alheias e curar as feridas de quem sofre. Cada um tem a sua casa e a sua família mas teremos de acreditar que a fé gera um vínculo que efectivamente nos torna uma família nova, mais abrangente, que envolve todos no projecto de uma fraternidade vivida e de uma amizade social a todos os níveis. Pode parecer gasta a frase de que estamos no mesmo barco. Tem de passar do conceito para a realidade, das boas intenções para os compromissos. Somos verdadeiramente irmãos. A encíclica Fratelli Tutti tem de ser descodificada e mostrar que não é uma utopia. Acreditamos no amor e vivemos sempre do amor.
Gostaria de apontar a todas as comunidades deste arciprestado este “dever ser”. Sem ele, trabalhamos em vão e seremos mais uma ideologia como tantas outras sabendo que não temos as mesmas forças para a impor. O amor dá trabalho e custa. O egoísmo e o individualismo é mais tentador. Mas não temos alternativa. Somos cristãos se nos amarmos de verdade mostrando que somos um só.
Se o amor mútuo é o nosso programa, ele orienta-nos para a missão de fazer com que esta Terra seja família de pessoas que juntas constroem a sua felicidade. Somos um só e temos uma única missão. É a única e irrepetível missão de Cristo. É esta que deve ser continuada e interpretada por todos os cristãos. Na primeira leitura, Jeremias dizia que o Senhor dar-nos-à pastores que apascentem. Todo o povo de Deus é pastor. Daqui surge a novidade do rosto da Igreja sinodal. Os sacerdotes serão sempre constituídos por Deus para caminhar à frente de um povo que é, todo ele, sacerdotal. Os leigos têm direito de cidadania na Igreja e nela exercem o sacerdócio baptismal. Sabem que, em primeiro lugar, lhes compete o dever de construir a cidade dos homens. Como nunca esta missão é imprescindível. Outrora o púlpito das igrejas ecoava no coração de quase todos os cidadãos. Hoje necessitamos de outros púlpitos e de outros pregadores que, a partir da diversidade das situações profissionais, ousam mostrar que o Evangelho também deve andar por esses contextos. São as mesas de trabalho, os computadores, os relacionamentos profissionais e os desafios das economias e negócios. Mais do que nunca a Igreja necessita destes templos fora dos âmbitos especificamente sagrados. Tornam-se sagrados pela vivência do batismo.
Uma Igreja sinodal é aquela que caminha consciente de que nada de humano lhe é estranho. Os caminhos da Igreja não são só os templos, as sacristias e os centros pastorais.
Se esta é a primeira exigência de uma igreja sinodal que somos ou queremos ser, não podemos, também, permitir que a missão dentro das comunidades seja interpretada só pelos sacerdotes e por alguns poucos que se disponibilizam. Também aqui o baptizado é um artífice e construtor. Sempre se falou de ministeralidade dentro da Igreja. Hoje o assunto está a revestir-se de outra actualidade e premência. Não se trata do argumento já gasto da falta de sacerdotes. É a Palavra de Deus que está em questão. “A cada um é dada a manifestação do espírito para proveito comum” (1 Cor. 12-7). Segundo esta doutrina, “o Concílio Vaticano II projetou uma Igreja pluriministerial, rica de pastores, de profetas, de doutores, de anciãos, na qual se manifesta a fecundidade carismática do Espírito de ressuscitado”.
O Papa S. Paulo VI afirma que deveremos olhar para as fontes da Igreja primitiva onde a Igreja conseguiu “consolidar-se, crescer e expandir-se” graças aos ministérios e que, no momento presente, terá de organizar-se “adaptando-se às exigências e às necessidades atuais” (E. N. 73).
A Igreja em Portugal, através dos seus bispos, iniciou um processo em ordem a discernir quais os ministérios necessários para o desempenho da única missão de Cristo. Já temos os ministros extraordinários da comunhão e agora o Santo Padre permitiu que fossem instituídos os ministérios de leitores, acólitos e catequistas. Teremos de esperar para que se defina o modo como deverão ser exercidos. Este é um caminho que também nós teremos de percorrer com disponibilidade e generosidade.
Quando, seguindo os passos de S. Bartolomeu dos Mártires e aderindo ao sonho do Papa Francisco, aceitamos o processo de renovação da Igreja como inadiável, mostramos a vontade de aderir a quanto o Espírito nos vai oferecendo. A pandemia acelerou os tempos. Reconhecemos a urgência de uma Igreja renovada que se fidelize na abertura a novos contextos. Somos Igreja fiel às interpelações históricas. Deixo ficar ao arciprestado esta ideia da ministerialidade como serviço de todos, sacerdotes e leigos.
A Senhora do Carmo nos ajude a compreender a alegria do serviço. Maria corre apressadamente ao encontro da sua prima Santa Isabel. Não fica a olhar para os seus problemas e necessidades. Descentra-se com alegria e entusiasmo. Com ela e como ela mostremos uma Igreja a caminhar com o mundo moderno numa multiplicidade de serviços a mostrar a missão de um único Pastor.
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
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