Arquidiocese de Braga -
1 agosto 2021
Na Fraternidade, ousar ir mais longe

Homilia na festa de S. Gualter.
\n \nS. Gualter foi um religioso franciscano enviado em missão para Portugal no início do séc. XIII por S. Francisco de Assis.
Hoje celebramos as festas da cidade, festas Gualterianas. Não é o padroeiro da cidade, este título pertence a Nª. Srª. da Oliveira. Tinha como objectivo na missão, confiada por S. Francisco, trazer para o nosso país a recente Ordem dos Frades Menores (franciscanos).
As festas de S. Gualter fazem parte da memória colectiva de Guimarães. Como tal devem colocar todos os Vimaranenses em reflexão interrogando sobre a sociedade que querem, no presente e no futuro.
S. Gualter e os franciscanos estiveram em diversos lugares. Fundamental é o espírito Franciscano que deixaram. A Paternidade e a Fraternidade universal. Mensagem para todas as épocas mas hoje verdadeiro código interpretativo do nosso viver em sociedade. O Papa Francisco fez da fraternidade o paradigma social que a Igreja deve pregar para dar um rosto novo ao conviver dos humanos entre si. Tudo deveria servir para inculcar esta urgência no intuito de dar um rosto diferente à Humanidade. A leitura da Fratelli tutti ajuda a intuir o que nos é pedido. S. Paulo, na segunda leitura, fala da necessidade de ultrapassar as exigências do homem velho e apostar nos comportamentos do homem novo. A nossa sociedade está cansada, desiludida, quase que perdida por causa dos caminhos do egoísmo e do comodismo que tem percorrido até aos dias de hoje. Apostou-se muito numa evolução social mas desconsiderou-se o mundo das relações entre as pessoas e as instituições. A pandemia sublinhou a interdependência e a interconexionalidade da vida humana. O caminho do futuro da humanidade passa por questionar os relacionamentos egoístas, interesseiros, fechados em si para um novo tipo de convivência a partir da fraternidade assumido e da solidariedade assumida. Não podemos perder tempo. É esta mentalidade que nos salvará. Para isso, cada um, nesta viragem epocal, tem de ultrapassar os estilos de vida característicos do homem velho para se comprometer com um novo tipo de humanismo como resultado do homem novo que queremos ser.
O mundo do desporto, tão caro a esta cidade, pode dar um contributo. Estão a decorrer em Tóquio, desde 23 de Julho até 8 de Agosto, os Jogos Olímpicos. Deveremos olhar para eles não só pelas possíveis medalhas a conquistar. Eles podem e devem ser uma mensagem tornada num verdadeiro desafio.
Sabemos que o fundador dos jogos Olímpicos, Pierre Coubertin, em 1894, foi buscar ao padre dominicano Henri Didon um lema para a excelência do desporto e incentivar os atletas a dar o melhor de si nas competições. Escolheu um lema que tem acompanhado o evento Olímpico até aos nossos dias. “Citius”, “Altius”, “Fortius”. Mais rápido, mais alto, mais forte.
Se este lema continua a ser um verdadeiro projeto de um humanismo, o Comité Olímpico, em 20 de Junho deste ano, aprovou por unanimidade a mudança deste lema, acrescentando ao desafio do “Mais rápido, mais alto, mais forte a palavra “juntos”. Juntos, mais rápido, mais alto, mais forte.
O antigo campeão olímpico alemão de esgrima e actual presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, explicou a alteração da seguinte maneira. “A solidariedade alimenta a nossa missão de tornar o mundo num lugar melhor através do desporto. Só podemos ir mais rápido, só podemos almejar mais alto, só podemos ser mais fortes, se permanecermos juntos – em solidariedade”.
Caminhar, lutar, trabalhar, jogar, conviver “juntos”, não como uma mera estratégia mas como fruto e consequência de uma realidade antropológica que nos motiva e estimula. Só a consciência de fraternidade pode gerar um mundo novo.
S. Gualter terá chegado a Guimarães num tempo em que o comércio e os seus interesses estavam impondo os seus critérios. S. Francisco, filho de um comerciante rico e com o estatuto de privilegiado, tinha experimentado a caducidade dos critérios dos lucros desmesurados e muitas vezes escandalosos. Diante dum leproso que abraçou e cuidou, Francisco aceita Deus como pai e revoluciona o mundo com a fraternidade. Todo o criado era irmão. Homem ou mulher, de qualquer raça ou cultura, animais ou plantas, só eram diferentes exteriormente. Dentro tinham o estatuto da igualdade.
Este pano de fundo, esta mensagem enviada ao mundo pelos Jogos Olímpicos ajuda-nos a dar importância ao nosso Programa Pastoral. Neste concelho de Guimarães, uma vez que as festas são concelhias, que compromissos deveremos assumir como cristãos e cidadãos? As duas palavras que escolhemos para definir o nosso estilo de vida, individualmente e comunitariamente, não podem ser palavras usadas até cansar. Caminhar juntos e na caminhada ser samaritanos exige muita reflexão e, em simultâneo, muitos gestos concretos. A palavra gestos irá acompanhar-nos durante todo o próximo ano pastoral. Não faltam análises sociológicas e estudos científicos. Ainda não estamos a caminhar juntos. Há muita gente que fica para trás na habitação, no ensino, no trabalho, na saúde, na satisfação das necessidades essenciais. Quem os reintegrará na caminhada que deve ser comunitária? As instituições? Sem dúvida. Só que sem uma sociedade sensível que interpele as comunidades paroquiais e inquiete as autoridades civis nada de novo acontecerá. Dizem as estatísticas que a região norte do país é a mais pobre. Ninguém pode dar por descontado o seu compromisso social.
Os judeus, no relato do evangelho, interpelaram Jesus perguntando-lhe “Que milagres fazes Tu, para que nós vejamos e acreditemos em Ti?” Que obra realizas?
Outrora os milagres estavam reservados aos santos individualmente, cada um na sua intenção particular. S. Gualter é um testemunho. Hoje a humanidade solicita milagres colectivos, comunitários, que contam com o contributo de cada um. Só juntos daremos um rosto diferente à sociedade.
Desejo que o próximo ano seja diferente para todas as comunidades do arciprestado de Guimarães. Se o lema dos Jogos Olímpicos é o mais rápido, mais alto, mais forte, não nos contentemos com a rotina dos dias sempre iguais. Já chega de repetir sempre os habituais programas pastorais. Sejamos ousados. Projectemos com tenacidade e resiliência. Não sejamos cristãos contentes com o que somos e com as comunidades que temos. Vamos, também, sonhar juntos, ver mais longe e acreditar que a Igreja pode ser diferente e o mundo pode ser melhor. Não se trata de uma utopia. Não podemos resignar-nos e esperar. Está ao alcance de todos e somos imprescindíveis. Que, seguindo os passos do Franciscano S. Gualter, a Fraternidade aconteça e com ela um mundo mais igual e solidário, onde a justiça e a igualdade acontecem para todos.
† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz
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Homilia na festa de S. Gualter
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