Arquidiocese

ANO PASTORAL
"Juntos no caminho de Páscoa"

[+info e Calendário]

 

Desejo subscrever a newsletter da Arquidiocese de Braga
25 Set 2021
Um amor maior
Homilia no casamento da Diana e do Miguel.
PARTILHAR IMPRIMIR
 

Gostaria de começar a minha reflexão partindo de uma expressão do Evangelho que a Diana e o Miguel escolheram para o seu casamento: “no princípio”. É, porventura, uma das expressões mais poéticas, mais profundas e programáticas de toda a Sagrada Escritura.

O princípio remete-nos para o momento inaugural, a fracção do tempo onde do nada algo é criado. É certo que aprendemos de Lavoisier que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, aceitando assim a impossibilidade da geração espontânea da vida. Para a Sagrada Escritura, por sua vez, não é este o horizonte. “No princípio era o Verbo”. Nada mais. Apenas Deus e sua Palavra que, aos poucos, foi criando traços num mundo disforme, sem beleza, sem espanto, sem vida. A Palavra criadora de Deus foi “faça-se”. Pronunciada, imediatamente a vida nasceu.

Todos temos o nosso princípio. O momento em que algo diferente, inesperado, ganha forma. Dentro de minutos, a Diana e o Miguel farão a troca das suas promessas dizendo um ao outro “sim”. “Sim, aceito-te”. É o princípio, o tempo da criação, em que uma nova família nasce. O dia em que, em última circunstância, o amor cria algo que antes não existia. Diz o mesmo evangelho que a partir deste momento “os dois serão uma só carne”.

Como sabemos, esta nova realidade só possível quando existe amor. Mas “amor” é uma palavra utilizada em tantos contextos que se tornou banal. O Papa Bento XVI escreveu em 2005 uma encíclica intitulada Deus caritas est na qual, com a fineza intelectual que lhe é reconhecida, recuperava o pensamento grego para distinguir entre eros, philia e agape. Permiti uma brevíssima referência sobre cada uma destas prespectivas. Concluirei com a exigência da complementaridade das três para entender o amor em todas as suas vertentes.

O eros liga-se imediatamente à noção de atracção humana. Os gregos viam no eros o inebriamento, a subjugação descontrolada da razão a um instinto. Daí a acepção negativa que ainda hoje se empresta a esta palavra. Ainda assim, a Sagrada Escritura tem um olhar positivo. Em primeiro lugar, o eros está enraizado na natureza do homem e, em segundo lugar, representa a orientação baseada na criação, isto é, o eros “impele o homem ao matrimónio, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre” (Deus caritas est 11). Quando amadurecido, é o princípio que fundamenta as relações esponsais, a força vital que impele à complementaridade e à intuição original de que somos criados para a entrega estável.

A philia, por sua vez,é um amor diferente: é a amizade. Também esta está presente nas relações matrimoniais ou de namoro, tal como esteve e ainda está certamente presente na Diana e no Miguel. O cardeal Tolentino Mendonça escreveu um livro sobre a amizade, o qual aconselho a lerem. Diz Tolentino que, por definição, o amigo é alguém que caminha ao nosso lado e, com ele, nenhum caminho será longo. É alguém com quem podemos contar e a quem podemos contar tudo. É alguém junto de quem podemos estar em silêncio sem que seja um momento constrangedor. Trata-se assim de um amor mais consciente, que não representa um instinto humano mas sim uma opção livre: estar ao lado de alguém. Diana e Miguel, fortalecei a vossa amizade, o vosso amor gratuito e a capacidade de se perdoarem quando necessário for, de estardes ao lado um do outro, nas alegrias que as tereis e nas tristezas que não faltarão. Nunca deixeis o outro sozinho.

Na experiência da amizade há um comportamento a ter permanentemente: a necessidade de perdoar e de ser perdoado. Gosto de recordar uma frase de Gabriel García Márquez escrita no clássico Cem anos de solidão. Diz García Márquez que “um único minuto de reconciliação vale mais do que toda uma vida de amizade”. É que a reconciliação projecta-nos para a humildade e coloca à prova as amizades. São necessários dois amigos verdadeiros para um perdão sincero. Com certa sabedoria aconselhava também o Papa Francisco três palavras mágicas para os casais: com licença, obrigado e desculpa. Que o vosso dia, Diana e Miguel, nunca termine sem fazerem as pazes. 

Mas não se esqueçam da necessária abertura a uma amizade maior: Jesus Cristo. Jesus disse certo dia aos seus discípulos “Chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15, 15). Também Ele permanecerá ao vosso lado em todos os momentos, a começar por este dia, este “princípio”, no qual podem a Sua bênção para o vosso matrimónio. Aceitai-o como companhia. Sabei que Ele nada tira e dá tudo. Reservai alguns momentos para estar com Ele e com Ele intuirdes o melhor caminho.

O terceiro grau do amor é o agape, também traduzido por caridade. Nada tem a ver, no sentido mais profundo, com a dimensão social. Agape é o amor gratuito, altruísta, ablativo, da entrega incondicional e absoluta. É, por isso, frequentemente utilizado para falar do amor que Deus nutre por todos nós. Jesus morreu numa cruz, por todos nós, sem nada esperar em troca. Deu-se, deu tudo de si sem nada esperar em troca. Não será esta a antítese da norma jurídica do ut des (dou para que me dês)? A caridade nada espera em troca. Apenas, como lemos de Paulo na segunda leitura, “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Gratuitamente, nunca se cansando. Deixo-vos a Oração de S. Francisco. “O Mestre fazei que eu procure mais consolar que ser consolado; compreender que ser compreendido; amar que ser amado. Pois é dando que se recebe. Perdoando que se é perdoado e é morrendo que se vive para a vida eterna”.

Permitam-me recuperar um pensamento sapiencial do Talmude sobre a complementaridade entre o homem e a mulher. Diz o texto.“Tem muito cuidado quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta todas as suas lágrimas! Quando Deus decidiu criar a mulher a partir do homem, não a criou a partir dos pés para ser calcada pelo homem, nem a criou a partir da cabeça para ela ser superior ao homem. Mas criou-a a partir da costela (do lado) para ser igual ao homem. Não de uma costela qualquer, mas: - de uma costela um pouco abaixo (do ombro) para poder ser abraçada e protegida pelo homem, - e de uma costela do esquerdo do coração, para ser amada pelo mesmo homem”.

Quando se fala tanto de igualdade mas se acentuam as diferenças e violências, quando o amor é proclamado mas nem sempre vivido, importa afirmar que somos um único corpo. Como ainda é possível calcar ou humilhar se os braços e o coração são expressão de um amor autêntico marcado por abraços de ternura, afeto, compreensão, solicitude?

Que o amor entre vós seja eros, philia mas sobretudo agape.

A Igreja católica está a viver um ano dedicado à família e a estudar carta encíclica do Papa Francisco que tem um título maravilhoso. Irei oferecer-vos, e aos vossos pais, um exemplar. Amoris laetitia. A alegria do amor. Logo no prólogo se afirma que “o anúncio cristão sobre a família é verdadeiramente uma boa notícia”. E que boa notícia estamos hoje a presenciar. A Diana e Miguel passarão a constituir uma nova família sob a bênção de Deus, com o amparo de tantos amigos aqui presentes, autênticos companheiros de viagem, e com a certeza da mútua e incondicional entrega um ao outro.

A Igreja católica está a viver um ano dedicado à família e a estudar carta encíclica do Papa Francisco que tem um título maravilhoso. Irei oferecer-vos, e aos vossos pais, um exemplar. Amoris laetitia. A alegria do amor. Logo no prólogo se afirma que “o anúncio cristão sobre a família é verdadeiramente uma boa notícia”. E que boa notícia estamos hoje a presenciar. 

A Diana e Miguel passarão a constituir uma nova família sob a bênção de Deus, com o amparo de tantos amigos aqui presentes, autênticos companheiros de viagem, e com a certeza da mútua e incondicional entrega um ao outro. Da minha parte, embora não nos conheçamos, gostaria de vos deixar a certeza. Vim presidir ao vosso casamento para começar a caminhar convosco. Ficarei sempre ao vosso dispor. Comigo também a Igreja Católica deseja que sejais felizes e acrediteis, diariamente, que o melhor está para vir. Sabei, também, que Nossa Senhora naquela invocação que mais vos agrada, também convosco caminhará. Aceitai a sua companhia.

Poderia terminar esta minha partilha com um texto da Escritura. Sirvo-me de uma referência mundial para concluir com uma ideia minha. Albert Einstein dizia: “O único lugar onde o êxito chega antes do trabalho é no dicionário”. Amar dá trabalho. Não é dado adquirido nem se supõe que exista. Mas, vale a pena. 

 

 † Jorge Ortiga,
Arcebispo Primaz

PARTILHAR IMPRIMIR
Documentos para Download
Departamento Arquidiocesano para a Comunicação Social
Contactos
Director

P. Paulo Alexandre Terroso Silva

Morada

Rua de S. Domingos, 94 B
4710-435 Braga

TEL

253203180

FAX

253203190