Arquidiocese de Braga -

13 julho 2015

Homilia na Eucaristia em memória a S. João Gualberto no Santuário de S. Bento

Fotografia DACS/ Fotografia: Álvaro Magalhães

Foram lembrados ontem, pela voz do Arcebispo Primaz, todos aqueles que se dedicam à protecção da floresta.

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Para uma conversão ecológica

Continuamos, ao longo deste ano, a celebrar os 400 anos da construção de uma pequena ermida, em 1615, que deu origem a esta basílica. Foram propostas várias iniciativas para mostrar a actualidade e o modo peculiar como S. Bento, homem de fé, viveu na Ordem Beneditina.

Quando os homens acreditam em Deus e são exigentes consigo mesmos, dando a sua vida pela causa do Reino, nasce uma espécie de revolução silenciosa e operativa. É a revolução do testemunho credível e operativo. Longe dos holofotes e pódios triunfalistas. O testemunho é saudavelmente contagiante. Ao longo da história da Igreja, muitos mártires e heróis da simplicidade quotidiana incarnaram este espírito de Cristo. E, no silêncio e no anonimato, influenciaram positivamente a Igreja e a sociedade.

Quis, hoje, a Confraria recordar um beneditino que viveu num período conturbado da história da Igreja. Nunca se adaptou às sombras que denegriam os conventos e forjou uma nova era de ouro, em contraste com aquela a que os historiadores apelidaram de época de ferro. É que, no meio da desordem, também podem surgir pérolas de santidade e humanismo. 

Recordamos S. João Gualberto. Nascido por volta do ano 1000, reformou a Ordem Beneditina e deu origem à família monástica Valombrosana, ainda hoje presente em vários países. Nele, trazemos à memória todos os religiosos e as religiosas, neste Ano da Vida Consagrada. Fazemo-lo com recurso às palavras de S. João Paulo II: “Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir” (Exortação Apostólica Vita Consecrata, 10).

Sendo um monge beneditino, S. Gualberto foi, como imaginamos, um defensor do trabalho e um amante da natureza. A primeira leitura fala-nos de Amós. Pastor de gado, plantador de sicómoros e profeta das maravilhas de Deus. Já na segunda leitura, S. Paulo recordava, louvando Deus – criador, “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo” (Ef 1, 3). E, nesta certeza de que Deus providencia, o Evangelho ordena aos Apóstolos que não se preocupem com os bens materiais. Devem partir sem levar nada para o caminho. Pão, sandálias e dinheiro ser-lhe-ão dados de harmonia com as suas necessidades.

S. João Gualberto exerceu uma grande actividade em prol da revitalização das florestas e, por causa do amor e respeito que teve pela natureza, em 12 de Janeiro de 1951, o Papa Pio XII proclamou-o protector das florestas e dos guardas florestais em Itália. Mais tarde, proclamou-o também patrono das florestas e guardas florestais do Estado de S. Paulo, no Brasil.

Perante o asfixiante crime de destruição da natureza, e face à necessidade de um maior empenho do poder político, interrogo-me se não poderia também ser – e a Confraria já o sugeriu – proclamado Padroeiro do Parque Nacional da Peneda-Gerês? Talvez alguns considerem uma ideia peregrina e inconsequente. Acreditamos, todavia, na intercessão dos santos. O seu nome pode incrementar uma corresponsabilidade pela “casa comum” e tornar-se um compromisso com tudo quanto o Papa Francisco ensina na recente encíclica Laudato Si’. É esta a altura para surgir uma corrente de opiniões.

Porque Deus criou a natureza e “viu que isto era bom” (Gn 1, 10), é responsabilidade de todos os crentes, mas não só, zelar pelo bem comum e pela preservação da natureza. Como seria bom se as gerações futuras olhassem para nós e dissessem: “fizeram bem, viram que tudo era bom”. Cuidar da natureza é um acto de louvor ao Deus-criador mas também um serviço à Humanidade. O crente deve ser capaz de unir estas duas vertentes e de se apaixonar pelo presente e pelo futuro da criação. Neste cruzamento ama-se Deus e concretiza-se a qualificação da existência com necessidades muito objectivas.

Para que isto aconteça, o Papa Francisco fala da necessidade de uma conversão ecológica “que nasce das convicções da nossa fé, pois aquilo que o Evangelho nos ensina tem consequências no nosso modo de pensar, sentir e viver” (nº 216 - 221). Temos de olhar para a natureza como valor inultrapassável no meio das opções que motivam os pequenos gestos ou as grandes decisões. O grande problema é que hoje vivemos sem olhar às consequências. Quantos comportamentos deixariam de existir e quantas acções positivas aconteceriam se a natureza fosse verdadeiramente assumida como dom do qual somos guardiães responsáveis e não patrões exploradores? Precisamos de ver o belo, de tocar o majestoso, de ouvir o cântico das árvores e dos pássaros, de saborear o gosto de tantas espécies e de cheirar os odores que dão poesia a uma vida rotineira. O futuro da natureza depende da nossa sensibilidade e da nossa conversão à sua beleza.

Mas não basta uma conversão pessoal. Os indivíduos podem, a título individual, fazer muito mas pode não ser o suficiente. A resolução de vários problemas depende, como sabemos, do poder civil e de outras entidades supra-individuais. Realidades que exigem legislação mais consistente e fiscalização mais apertada. Não basta ser exigente com os proprietários privados. É preciso pensar numa lógica do bem comum e na necessidade de implementar medidas que salvaguardem a qualidade dos espaços naturais.

Ao sugerirmos S. João Gualberto, beneditino reformador, como o patrono deste parque e dos guardas florestais, estamos, implicitamente, a alertar para o período de estio que se aproxima e o consequente risco de destruição das florestas. Urge acabar com o flagelo dos incêndios. Temos de garantir a defesa dos espaços naturais e fazer desta preocupação uma causa nacional.

Quero, por isso, homenagear os guardas florestais que, durante este período, exercerão uma tarefa heróica e a quem nem sempre é reconhecido o seu devido valor. Recordo igualmente os bombeiros, verdadeiros soldados da paz, que arriscam a vida pelos bens e pelas pessoas. Sufraguemos aqueles que morreram neste serviço humanitário.

Que S. Bento continue a proteger-nos em todos os aspectos da vida e reforce em nós esta consciência ecológica. Como sublinhava o Papa Francisco, “se os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores se tornam tão amplos”, a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (217). Amemos o silêncio e, nele, o encontro com Deus para operar o Seu projecto de uma humanidade ao serviço do Homem e não o Homem a aproveitar-se irreflectidamente da natureza.



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