Arquidiocese de Braga -

9 outubro 2021

Recomeçar com a sinodalidade

Fotografia DM

Homilia na abertura do ano escutista.

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Celebramos a abertura do Ano escutista. Vimos de um tempo de um certo interregno onde a chama escutista esmoreceu e as estatísticas evidenciaram um número menor nas fileiras. Alguns começam a olhar para o escutismo com alguma apreensão. Inserem-no dentro de uma crise que não se deseja de crescimento.

Neste ambiente que se respira, a primeira orientação para o próximo ano consiste em não fixar-se em presságios de fatalismo e desencanto. A pandemia está a desanuviar-se e o escutismo tem de continuar a promover o seu estatuto de grande movimento e trabalhar com os jovens e para os jovens. Importa que encontre uma nova aurora para o movimento e que encerremos um capítulo que para todos foi bastante negro.

Vamos reconstruir o que pode ter caído durante estes últimos dois anos. Felizmente, escolhestes como palavra de ordem “fazer mais”. É uma ambição. Os obstáculos colocados na caminhada devem tornar-se trampolim para voos mais altos. Sede, neste mundo de tantas perplexidades, um sinal mais. Podeis e deveis ser.

Escolhestes uma figura carismática para vos acompanhar durante este ano. O grande pedagogo jesuíta francês Jacques Sevin, declarado venerável pelo Papa Bento XVI, sugere-vos a riqueza do ideal escutista, a que lhe acrescentou a sublimidade dos valores evangélicos. Ele não retirou nada às instruções pedagógicas de Baden Powell. Estudou-as. Compreendeu-as. Colocou-lhe o fermento da fé católica e Baden Powell reconheceu que fez a “melhor realização do meu pensamento”. Ao escutismo imprimiu-lhe horizontes novos.

Quando tudo parece ser questionado, o escutismo tem de orgulhar-se das suas raízes e crescer a partir delas. Fidelidade a Baden Powell. Reconhecer isto no pensamento e acção de Jacques Sevin que funda o escutismo católico em 1920, e sentir alegria em acolher o legado de D. Manuel Vieira de Matos que, já em 1923, soube ver o valor de uma experiência escutista incipiente. Daí que, com originalidade e criatividade, regressai às vossas raízes: Baden Powell, Jacques Sevin e D. Manuel Vieira de Matos.

Aproxima-se a celebração do primeiro centenário do CNE. Sei que estão delineadas algumas iniciativas. Tudo deve partir daqui. Não tenhais medo dos vossos fundadores. Não são homens de ontem. O verdadeiro escutismo está no que eles sonharam. Andar por outros caminhos, que alguns até podem considerar mais interessantes, é ferir o carisma que encantou multidões.

Tanto quanto sei, Jacques Sevin quis enriquecer a prática escutista com uma lógica espiritual de caminho e acampamento. Caminhar com os jovens, torna-los verdadeiros intérpretes e protagonistas, e situar-se num comportamento de quem acompanha propondo valores oriundos de uma espiritualidade que se incarna no quotidiano de uma fé e de um compromisso com obras concretas. A fé é sempre inspiradora de compromissos de intervenção. Uns deixam correr alheando-se dos problemas existenciais. Outros contentam-se com comentários ou críticas a quem os provoca. O escuteiro verdadeiro sabe que tudo deve situar-se na área do testemunho contagiante para a transformação do mundo. A fé é fermento. Destina-se à massa e o sabor da vida quotidiana recupera alegria.

Neste dia de abertura do Ano Escutista, convido-vos a sair das sedes com o intuito de recuperar todos quantos se perderam a chama. Deveis ter a certeza de que a juventude está à espera da vossa proposta. O Evangelho de hoje apresenta o testemunho de um jovem insatisfeito que vai ao encontro de Cristo a perguntar-lhe o que deve fazer. Fazer é o vosso programa para este ano. Há muitos que não sabem o que fazer. Têm todas as regalias da sociedade hodierna mas acompanha-os a insatisfação. Parece-lhes que é impossível deixar esquemas e experiências. Tereis de lhes manifestar que encontrar-se com eles em nome de Cristo e da Igreja faz com que nada seja impossível. Caminhando juntos, as dificuldades ultrapassam-se por muito difíceis que possam parecer. Tereis de lhes oferecer algo de diferente que não encontram nos corredores das escolas nem nos circuitos das redes sociais. A segunda leitura apresenta a palavra de Deus como viva e eficaz que penetra nos problemas e aí coloca uma semente que vai convidar a fazer coisas novas que nunca foram experimentadas.

O sair das sedes não é só um mudar de lugar. Um contacto exterior com as periferias. Conhecê-las como curiosidade. Importa mergulhar nessas periferias. Elas são as feridas para as quais a Igreja Arquidiocesana quer encontrar remédios. Importa não só não passar adiante mas deter-se para cuidar, enfaixar, gastar tempo e dinheiro. Caro escuteiro, quais são as feridas aonde terás de ir, na tua paróquia com o teu agrupamento, no teu concelho com o Núcleo e na tua diocese com o Conselho Regional? Eis o problema. Eis o desafio. Basta de curiosidade. Precisamos de mergulhar dentro, assumir, investir modos e dinheiro. Poderemos mudar pouco. As grandes revoluções fazem-se com pequenos gestos e atitudes. O escuteiro está habituado a dar um pontapé no “im” de impossível. Tudo é possível para quem quer. Abandonai muitas iniciativas. Poderão já estar a cansar e a não dizer nada de novo aos jovens. Os desafios são diferentes.

Tendes a vossa pedagogia e metodologia. Ousai confrontá-las com as exigências da sinodalidade. Aqui todos falam. Cada um tem um tesouro a comunicar. Os dirigentes não são donos. Trata-se de escutar, escutar sempre, provocar em exercício de verdadeira ocultação. Pensai sionodalmente para o quotidiano das vossas actividades. Pegai, também, o documento Preparatório para o Sínodo de 23. Amanhã o Papa inicia esta caminhada em Roma. Nós iniciaremos no Domingo seguinte. Queremos colocar a diocese toda em atitude de escuta. O Papa Francisco necessita das nossas instituições. Fazei dos vossos grupos, grupos sinodais. Creio que até as Alcateias poderão dizer alguma coisa. Para os Caminheiros deve ser uma obrigação. Mas, depois, permiti que vos peça, criar outros grupos nas vossas comunidades e arciprestados. Sonho com uma rede de grupos, reunidos no Espírito e motivados, só e apenas para a comunidade, pela novidade que Ele que trazer ao hoje da Igreja. 

Algo que poderá dar mais consistência à vossa caminhada sinodal é ligar-vos ao Pacto Educativo que o Papa Francisco assinou com outros líderes religiosos e que motivou um conjunto de pistas de concretização apresentadas no início desta semana. Aí se refere que se pretende “reavivar o compromisso em prol e com as gerações jovens, renovando a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e muita compreensão.”

Para que isto seja possível, continua o documento, são precisos “projectos educativos inovadores e criativos que valorizam as culturas locais, construam pontes intergeracionais e cuidem das periferias ambientais e existenciais.”

Caros escuteiros, novo ano e muitas pistas. Tomai consciência das vossas origens. Jacques Sevin acolheu o escutismo na integridade e acrescentou o mais da fé. D. Manuel Vieira de Matos, poucos anos depois, reconheceu que era o que a juventude necessitava para aquele período conturbado, republicano e anti-Igreja. Hoje, onde estamos? Eu acredito no Escutismo Católico. É o movimento católico para esta hora onde a sociedade não tem sinais. Vós tendes. Não fujais ao rumo traçado. Acrescentai-lhe o que o Espírito Santo vos disser para este momento de mudança. O mundo novo pode nascer com o Escutismo Católico que se prepara para celebrar 100 anos de existência. 

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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