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21 Mar 2021
Com S. Bento, espiritualidade e compromisso
Homilia na Memória do Trânsito de S. Bento
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Afirmamos e ouvimos dizer que nada ficará na mesma. A pandemia veio revolucionar relacionamentos entre as pessoas e manifestar necessidades reais. Alguns pensam que a religião está em crise e poderá ser verdade se a ligamos a determinadas formas de a expressar. Acontece que a necessidade da espiritualidade permanece e torna-se muito mais consciente. Mais do que nunca as pessoas são sensíveis a temas espirituais e sentem a sua necessidade. Daí que a Igreja tenha de propor itinerários de crescimento pessoal espiritual dando à vida uma dimensão verdadeiramente contemplativa.

Neste contexto coloco a missão dos santuários nesta hora pós-pandemia. Não sabemos o que resultará do facto de termos fechado as nossas igrejas. Sabemos que as pessoas continuarão a reunir-se à volta das comunidades paroquiais, que devem crescer muito mais na relação de proximidade e de solidariedade. Já sabemos que nem todas as pessoas das freguesias se consideram cristãs. A paróquia terá de readquirir um rosto de verdadeira comunidade onde as pessoas se conhecem, se amam e se ajudam mutuamente.

Sendo menor o número de pessoas a frequentar as igrejas paroquiais, vai, por outro lado, crescer o número dos que procuram os santuários, seja pelas celebrações litúrgicas ou por algo que não sabem explicar. Continuar-se-á a solicitar e a pedir graças mas aumentará o número dos que procuram o invisível e que anseiam por alento e sentido para as vidas familiares e profissionais. A eles os santuários deverão prestar atenção. Não basta cuidar dos cristãos praticantes com a oferta de devoções e actividades pastorais dentro de esquemas tradicionais.

O contributo que o Santuário de S. Bento terá de dar à Igreja e à sociedade nesta época de pandemia ou pós-pandemia não pode fugir àquilo que sempre o caracterizou: a devoção a S. Bento com tudo o que isto significa. Algumas manifestações de piedade, acumuladas ao longo da história, talvez necessitem de ser repensadas. Importa interiorizar o legado de S. Bento, contextualizando-o na época histórica em que ele aconteceu. Sabemos que o cristianismo nasceu no império romano e que durante séculos foi perseguido. Só mais tarde se impôs, tornando-se religião oficial do Estado numa interligação mútua e com uma cultura cristã que surgiu. Mais ou menos na altura da queda do último imperador romano, depois de um longo período de decadência, nasceu S. Bento. O seu tempo teve muitos desafios e o cristianismo viu-se obrigado a adaptar-se a novas situações. Tudo era diferente. Daí a necessidade de se isolar para intuir o que seria melhor para ele e para a Igreja naquela situação de perplexidades. Antes havia certezas. Estava tudo organizado. Agora tudo era novo e foi necessário compreender novos caminhos.

Sabemos que tudo sintetizou no Ora et Labora – Oração e trabalho - e esta fórmula perdurou ao longo dos séculos, tendo hoje uma vitalidade para os beneditinos mas também para os lugares onde a sua figura é venerada. Daí que, neste tempo de crise, o Santuário de S. Bento precisa de pegar nesta síntese do cristianismo e ver como a apresentar em formulações porventura diferentes. 

Temos diante de nós a crise provocada pela pandemia. Sem desconsiderar os nossos compromissos sociais, económicos e sanitários, o Santuário terá de oferecer respostas para este tempo. Tudo passará por descobrir maneiras para promover uma união entre a acção e a contemplação. Sucedem-se os estudos e as orientações a exigir acções, trabalhos muito concretos. 

Neste momento, necessitamos de redescobrir o verdadeiro significado do trabalho. Teremos de nos comprometer com iniciativas de dimensão humana, ecológica, cultural, da promoção da liberdade e responsabilidade de uma verdadeira democracia participativa, num compromisso com as causas da humanidade patentes no populismo, nacionalismo, xenofobia, situação dos emigrantes, refugiados, sem abrigo, nos projectos de ajuda aos países em via de desenvolvimento. A Igreja não pode ficar no funcionamento das suas estruturas e fixar-se nas suas causas. O trabalho é imenso e não podemos deixar de reconhecer que trabalhar não é só cuidar de uma profissão para adquirir uma vida digna para si e para os seus. Trabalhar é sonhar e comprometer-se com uma sociedade onde a dignidade de todos é respeitada e a fraternidade se torna um paradigma a abraçar. Mais do que nunca necessitamos de reconhecer que sem o trabalho de todos a felicidade nunca acontecerá. 

Daí que, neste tempo de pós-pandemia, o Santuário de S. Bento deva ir discernindo caminhos a propor, a quem por aqui vai passando, para que cada um ultrapasse o mundo do egoísmo, do individualismo e acredite que, com muito ou com pouco, deve colocar os interesses do bem comum no quotidiano da sua vida. Não são os políticos a trabalhar pela causa comum. Todos temos uma responsabilidade peculiar. O que fazer neste sentido? Contamos com a ajuda de S. Bento que compreendeu que sem trabalho, no convento mas no mundo real, a crise daquela época não seria vencida. Com ele e por causa dele, importa investir na promoção da cultura do trabalho para bem de cada um e da sociedade. 

Se é imperiosa a cultura do trabalho pelo bem comum, a oração condiciona tudo. Sem ela, trata-se de trabalhar sem consistência. É como a água nas mãos. Muito cansaço e poucos resultados. Importa, por isso, cultivar a vida espiritual através de modalidades a descobrir. Não bastam os actos de culto muito bem preparados. Nos Santuários são muitos os buscadores espirituais, os que crêem à sua maneira, que vêm procurando resposta em espiritualidades alternativas ou refugiando no “seu” Deus. Basta ver o que acontece nesse mundo de propostas. Talvez não tenhamos consciência desse mundo um pouco escuro de sucedâneos que são oferecidos pelas redes digitais e localizados em espaços das nossas cidades. A pandemia veio mostrar que quem se afastou da religião organizada está sensível a temas e dinâmicas espirituais.

Este mundo da espiritualidade tem de ser redescoberto pela Igreja e proposto com formas novas. Já não bastam os caminhos percorridos durante séculos. A vertente contemplativa na história da Igreja teve diversas interpretações. Ainda temos a vida de clausura, mas muitos outros mosteiros já professam uma vida ativa e contemplativa. 

A minha vida pessoal foi marcada por uma meditação. Não sei até que ponto a consigo concretizar. É sempre um projecto a desinstalar-me, centralizar-me e a dizer que assim como respiramos com dois pulmões também temos qualidade de vida, humana e cristã, quando damos igual importância à oração e ao trabalho, à contemplação e à ação, à espiritualidade e ao compromisso na sociedade.

Diz a meditação: “Eis o grande atrativo dos tempos modernos: penetrar na mais alta contemplação e permanecer misturado com todos, homem ao lado do homem, perder-se no meio da multidão para a impregnar do divino, assim como se embebe no vinho um pedaço de pão.” (Meditações 82)

Há dias ouvíamos o Evangelho referir a história de um homem culto de Jerusalém, Nicodemos, que queria ver Cristo mas que, por vergonha, o procurou de noite. No Evangelho de hoje, um grupo de gregos, que tinham vinda a Jerusalém, foram ter com Filipe e fizeram-lhe um pedido: “Nós queríamos ver Jesus”. Também hoje esta inquietação existencial existe. Podem andar por muitos caminhos, alguns estanhos ao Evangelho. No coração está latente uma procura do sobrenatural. Por isso procuram os santuários como no tempo de S. Bento procuravam os mosteiros para aí ficar nas hospedarias que os acolhiam. São muitos os procuradores de Deus. Quando se organizam encontros, estruturados a partir do silêncio, muitos médicos, empresários, comerciantes, advogados são os primeiros a inscrever-se. Sempre tivemos retiros espirituais. Hoje, o modo de os organizar deve ser diferente, mas a procura é a mesma.

As pessoas necessitam de intuir o verdadeiro sentido da vida. Precisam de alguém com quem falar livremente, sem serem manipulados ou previamente orientados. Necessitam de falar de tudo e de alguém com capacidade para escutar. Não pretendem uma doutrina. São mais espertos nas coisas da vida do que nós. Basta-lhes um silêncio acolhedor. 

Perante a procura de Deus que hoje continua viva no coração dos homens, teremos de responder com uma pastoral que concretize o estilo evangelizador proposto pelos dois últimos Papas. O Papa Bento XVI diz que a evangelização acontecerá por “atração”. O Papa Francisco refere que se realizará por “transbordamento”. Uma Igreja que se aproxima de Deus e que sabe que a sua missão principal está na oferta que D’Ele possamos fazer.

Neste dia do trânsito de S. Bento, da sua passagem da morte para a vida, recordo que o seu carisma tem de ser reinterpretado pela Igreja naqueles lugares que lhe estão particularmente ligadas. Ora et Labora não é de ontem nem pode ficar num simbólico lema. É um programa com novas concretizações a intuir sinodalmente. Qual o contributo que o Santuário de S. Bento da Porta Aberta poderá dar hoje à Igreja e à sociedade? As pessoas que por cá passam deveriam regressar à vida com um compromisso de trabalhar pelo bem comum. Aqui deverão beber uma sadia espiritualidade e sentir necessidade de lhe dar importância no dia a dia. A vida terá sentido interpretando uma aliança consciente entre o trabalho e a espiritualidade. Que S. Bento nos conceda esta graça.

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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