Arquidiocese de Braga -
15 junho 2006
Corpo de Deus

Fotografia
D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga
\n Ao reflectirmos sobre a Eucaristia, aparecem-nos diferentes dimensões a sublinhar. Regresso a ideia de a apresentar como “fonte” e “centro” de toda a vida cristã.
1 - Família e Eucaristia:
De harmonia com o Programa Pastoral, quero recordar quanto o Papa João Paulo II referiu em 1987, na Polónia, e quanto nos recorda na Familiaris Consortio. “O sacramento do matrimónio surge da fonte eucarística. Nasce da Eucaristia. E, ao mesmo tempo, conduz a ela”. O caminho da santificação da família “encontra a sua raiz no baptismo e a sua expressão máxima no Eucaristia, a que está intimamente unida ao matrimónio cristão.” (F.C. 57)
Ao referir que o matrimónio cristão nasce da Eucaristia não estamos a referir-nos a um momento, pensando que terá necessariamente de ser celebrado na Eucaristia. Queremos, sim, dizer que é aí que o Matrimónio se compreende como Sacramento de doação e entrega. Se a fonte está aí não pode haver família cristã sem amor à Eucaristia, ou seja, comunidade de irmãos que se alimentam desta experiência comum que todos devem fazer.
Quero, por isso, em atitude interpelante, convidar as famílias à responsabilidade de participação nas celebrações eucarísticas precisamente como famílias. A Eucaristia é comunhão e congrega nesta certeza de que a assembleia dominical deverá ser família de famílias que aí testemunham a sua fé e encontram energias para a testemunharem.
Muitas vezes ouvimos dizer que as crianças da catequese não participam nas missas dominicais. Haverá coisa mais bela que verificar uma família – pais e filhos – que se reúne com outras famílias para ser a grande família que louva o Senhor?
Com este pensamento estou a ser muito concreto. O povo costuma dizer que os pais não podem mandar os filhos à missa e ficarem em casa. Eu vou mais longe. A família cristã necessita duma espiritualidade que parte, permanentemente, e conduz, sem desânimo, à Eucaristia que pode e deve ser preparada e vivida em família.
2 – Concretizações Familiares:
Lembro-me quanto diz Santo Ambrósio, como modo de tornar a Eucaristia centro e fonte da vida familiar. “Exortei-vos a preparar duas mesas: uma de alimentos do corpo, outra do alimento da escritura”.
2.1 - Preparar a mesa dos alimentos do corpo:
A Eucaristia, como refeição, recorda a urgência duma vida em corpo através do cuidado em dotar todas as casas do essencial para viver. O Corpo de Deus deveria comprometer-nos num trabalho sério e responsável para que nada falte nas mesas das nossas famílias. Importa, porém, alargar horizontes e reconhecer que a Eucaristia é sempre o pão partido para todos. Poderei dizer que, em certo sentido, ela permanece incompleta se na comunidade falta o pão duma vida digna para alguns.
Hoje queria rezar, e solicitar a todas as comunidades, para que nunca falte o pão nas nossas casas e que o essencial chegue a todos através da atenção, da doação e da partilha. Há muita fome por detrás das portas dos nossos vizinhos e o fenómeno aumenta e aumentará. Estarei a exagerar? Deixo o alerta e convido a uma leitura da realidade.
2.2 - Preparar a mesa da Palavra:
A Palavra deveria ser, como itinerário educativo e tornar-se referência nas conversas familiares e a sua luz ajudaria a interpretar e a viver os acontecimentos à luz da fé. A Eucaristia chega aos lares através desta meditação e diálogo preparatório e continuador.
Se os Padres das Igrejas falam da Mesa da Palavra significa que ela deveria transformar-se em alimento partilhado no diálogo e na vontade de melhor a compreender para uma vivência como testemunho. Nem sempre as conversas familiares se orientam em sentido positivo e torna-se necessário crescer neste ambiente onde a Palavra de Deus aparece como vontade de ler a vida quotidiana à sua luz. Todos necessitam deste encontro. Os filhos precisam deste diálogo.
2.3 - Mesa da Natureza:
Se a Eucaristia se torna o centro da família como fonte de vida e para a vida, há uma dimensão que o pão eucarístico nos convida a considerar. Ele deve chegar a todas as mesas e a sua ausência em alguns lares não permite uma vida tranquila em quem participa nas celebrações; Ele torna-se mensagem acolhida como alimento quotidiano das conversas e projectos familiares num intuito de tornar a vida eucaristia viva através da vivência da Palavra.
Deve, porém, levar-nos a olhar para a natureza como espaço criado por Deus, expressão do mesmo amor de Deus na Eucaristia, e conduzir-nos à atenção de cuidar de tudo quanto nos rodeia como Casa de Deus, onde colocamos a mesa da harmonia entre todas as espécies criadas como exigência para uma revitalização da existência dos seres humanos. Dizia um místico que os corpos alimentados pela Eucaristia regressam à terra, em dia de funeral, para a transformar na maravilha dum criado a testemunhar a beleza de Deus.
Daí que quem participa na Eucaristia assume a responsabilidade de preservar e cuidar da natureza como algo sagrado a merecer toda a atenção e solicitude. Quem não reconhece Deus na policromia duma paisagem onde se vislumbra a arte dum criador único e irrepetível? Daí que, neste tempo de verão, solicito a todos os cristãos e homens de boa vontade – e dum modo particular aos responsáveis pelas comunidades – que descortinem modos e maneiras de tornar a floresta algo que é de todos e de cada um. Os incêndios, não olhando para as hipotéticas causas, denunciam algo de anormal e solicitam o envolvimento numa verdadeira causa comum. Lamentar o que aconteceu torna-se inútil, embora seja necessário individualizar as causas e solicitar responsabilidades se for o caso. Creio, porém, que só uma intervenção coral, ou seja, duma sociedade que em coro corresponsavelmente, intervém para que o drama nunca aconteça. Teremos de dizer que basta e que muita coisa poderia ser evitada ou remediada. A Eucaristia obriga-nos a cuidar da mesa da natureza para que todos possam saborear o indispensável dum tesouro que pertence a todos.
Em Dia de Corpo de Deus quis deixar uma proposta:
- A Eucaristia é convocação de famílias para ser a família de Deus. Mandar os filhos à Eucaristia é uma obrigação; participar com eles, em alegria e festa, é a única maneira de revitalizar o mandamento da participação na Eucaristia dominical.
- A família nasce da família e vive da família. Três mesas podemos e devemos colocar para experimentar a presença de Cristo.
- Mesa do Pão para todas as famílias;
- Mesa da Palavra que alimenta a Família;
- Mesa da Natureza que adorna e embeleza a qualidade do viver humano.
Saibamos com a Eucaristia chegar às famílias e das famílias chegar à Eucaristia. Trata-se dum binómio a exigir unidade. Continuemos os trabalhos.
15-06-2006
+ Jorge Ferreira da Costa Ortiga,
Arcebispo Primaz
Partilhar