Arquidiocese de Braga -

20 janeiro 2024

Educação e Cultura de Paz: O Caminho do Perdão

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Conferência proferida por D. José Cordeiro por ocasião do V Congresso Internacional de Pedagogia e Cultura da Paz: Memória, Verdade e Perdão.

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1. Educação e cultura integral de paz, hoje
A educação é um dos elementos mais emergentes da sociedade. Esta palavra tem um amplo valor semântico e é necessário esclarecer o que entendemos por educação.

O cristianismo encontrou no humanismo grego um campo feliz onde semeou a boa notícia da universalidade da pessoa enquanto criatura de Deus e da sua individualidade enquanto sujeito vivo de uma cultura. Todavia, o princípio cristão de pessoa é diferente. Na etimologia latina (educere) significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, em ordem a uma plenitude que faz crescer a pessoa. O que torna a pessoa humana é a sua relação de criatura, isto é, a sua relação de amor, porque «Deus é amor» (1Jo 4, 16). Cristo é o paradigma do amor e com Ele nasceu a nova gramática do amor. A pessoa é pessoa na medida em que ama.

A cultura ocidental relativizou a pessoa. A revolução tecnológica retirou a centralidade da pessoa de todos os âmbitos, inclusive o da educação. O computador e a internet, que são os emblemas do progresso tecnológico, fornecem materiais ao infinito, mas não educam ao discernimento. A própria comunicação tornou-se mera informação sem dinamismo formativo.
Nas jovens gerações, o binómio evolução e tecnologia, produz muita dispersão e cria um vazio de valores, de afetos, cujas linguagens e experiências transformam a pessoa apenas num depósito, retirando-lhe o carácter de sujeito de experiências. É urgente, com efeito, repor a pessoa no centro da educação.

Não há pedagogia autêntica sem antropologia. O trabalho dos professores «não consiste unicamente em comunicar informações ou em oferecer uma preparação técnica em vista de proporcionar benefícios económicos para a sociedade; a educação não é, nem deve ser considerada puramente utilitarista. Ela diz respeito sobretudo à formação da pessoa humana, à sua preparação para viver plenamente a própria vida — em poucas palavras, refere-se à educação para a sabedoria. E a verdadeira sabedoria é inseparável do conhecimento do Criador, porque “nós estamos nas suas mãos, nós e as nossas palavras, toda a nossa inteligência e a nossa habilidade” (Sb 7, 16)» (Bento XVI).

A educação é sempre um encontro de pessoas numa rede de relações assimétricas. A educação é, sem dúvida, «uma arte difícil que pede criatividade e dedicação» (CEP). Por um lado, o docente transmite, orienta e propõe, por outro lado, o discente pode decidir em liberdade como assumir as suas responsabilidades pessoais na participação da construção da sociedade.

A Igreja coloca-se numa profunda relação com a cultura e as ciências, suscitando responsabilidade e valorizando tudo o que é bom e verdadeiro. «A fé é a raiz da plenitude humana, amiga da liberdade, da inteligência e do amor» (CEI).

Um provérbio africano diz que «para crescer uma criança é necessária uma aldeia inteira». A aldeia inteira é constituída pelos pais, pelos professores, pelos animadores, ou seja, pelos lugares educativos: a família, a escola, o desporto, a Igreja, o território, o diálogo intergeracional, o trabalho para uma realização da dignidade humana.

A família e a escola encontram-se na cidade, isto é, segundo a etimologia grega que entende a polis como país, cidade, povoado ou aldeia. Portanto, é urgente «favorecer as respostas do sistema educativo aos desafios contemporâneos em vista de uma cultura da paz e da não-violência», como se lê no grande programa da Educação 36/C5 da UNESCO. O desafio é, com efeito, trabalhar a fim de que a cidade seja realmente humana.

Ora a educação para a paz não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão.

Hoje está em crise a capacidade de uma geração de adultos em educar os próprios filhos. Por muito tempo se apregoou que a liberdade é a ausência de história, que se pode ser grande sem pertencer a nada nem a ninguém, seguindo só o gosto e o prazer pessoal. Tornou-se até normal pensar que tudo é igual, que nada tem valor senão o dinheiro, o poder e a posição social. Viveu-se como se a verdade não existisse e o desejo da felicidade que dá forma ao coração humano fosse destinado a não obter nenhuma resposta.

Como responder à emergência educativa?

Há que formar na coerência e na exemplaridade numa tensão unificadora entre o profissionalismo e a personalidade, de modo a transformar a profissão em missão.
São Paulo VI destacou que o desenvolvimento dos povos, chave imprescindível para realizar a justiça e a paz a nível mundial, «deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo», e lembra a necessidade que há de «sábios de reflexão profunda, em busca de um humanismo novo, que permita ao homem moderno o encontro de si mesmo».

2. O caminho do perdão
O perdão é para o futuro, não só para o que passou. O perdão não é um mero sentimento, mas uma decisão e, sobretudo, uma atitude. O perdão constitui um bem mais forte que um mal.
A atitude fundamental é: “eu quero a paz”; “eu quero perdoar”.

«O perdão dá a vida aos mortos e enche de beleza os feios. O perdão significa que a cruz é a nossa arvore da vida» (T. Radcliffe). Recomeçar sempre é o caminho feliz da vida, porque a própria vida é feita de recomeços constantes.

Educar para a justiça e a paz a tarefa que diz respeito a todas as gerações. Com efeito, educar para a paz é parte integrante da evangelização, porque o Evangelho de Cristo é também o Evangelho da paz. Recordou Bento XVI: «na era atual, fortemente caracterizada pela mentalidade tecnológica a vontade de educar e não só instruir não é um dado óbvio, mas é uma escolha; (...) porque a cultura relativista apresenta uma questão radical: ainda tem sentido educar? E, educar para que?»

Precisamos de olhar para o futuro com esperança num compromisso com uma educação integral significa também saber formar para a justiça e a paz. É necessário ajudar as crianças, os adolescentes e os jovens a desenvolverem uma personalidade de paz, no respeito pela sacralidade da outra pessoa, com a força interior de construir o bem comum, mesmo quando isso custa sacrifício e diálogo, com a reconciliação e o perdão.

Não basta constatar, é necessário e urgente agir e dar memória ao futuro!

O Papa Francisco escolheu como tema para o 57º Dia Mundial da Paz: a inteligência artificial e a paz, um dos desafios mais importantes dos próximos tempos. A sua intenção é a de encorajar para que os progressos no desenvolvimento de formas de inteligência artificial sirvam, a causa da fraternidade humana e da paz na inteira família humana.

Por isso, diz o Santo Padre: «No início do novo ano, a minha oração é que o rápido desenvolvimento de formas de inteligência artificial não aumente as já demasiadas desigualdades e injustiças presentes no mundo, mas contribua para pôr fim às guerras e conflitos e para aliviar muitas formas de sofrimento que afligem a família humana. Possam os fiéis cristãos, os crentes das várias religiões e os homens e mulheres de boa vontade colaborar harmoniosamente para aproveitar as oportunidades e enfrentar os desafios colocados pela revolução digital, e entregar às gerações futuras um mundo mais solidário, justo e pacífico».

Os jovens não podem ficar na varanda ou à janela a olhar para a vida que passa na rua. O Papa Francisco tem repetido que os jovens não podem viver sentados num sofá ou nas bancadas.

Neste mesmo espírito da inteligência da paz, aos embaixadores dos países junto da Santa Sé, o Papa Francisco augurou no dia 8 de janeiro de 2024: «Por fim, o caminho da paz passa pela educação, que é o principal investimento no futuro e nas gerações jovens. Permanece viva em mim a recordação da Jornada Mundial da Juventude realizada em Portugal no passado mês de agosto. Ao mesmo tempo que volto a agradecer às Autoridades portuguesas, civis e religiosas, o empenho posto na organização, conservo no coração aquele encontro com mais de um milhão de jovens, provenientes de todas as partes do mundo, cheios de entusiasmo e vontade de viver. A sua presença foi um grande hino à paz e o testemunho de que “a unidade é superior ao conflito” e que é “possível desenvolver uma comunhão nas diferenças”».

A paz nasce de um coração amado e perdoado. Em cada celebração manifesta-se o dom da paz e por isso na sua conclusão somos enviados em missão como edificadores da paz: «Ide em paz e o Senhor vos acompanhe».

Uma educação e uma cultura para a paz exige o perdão, como sintetizou lapidarmente o bispo anglicano Desmond Tutu: «não há paz sem perdão».


+ José Manuel Cordeiro
Arcebispo Metropolita de Braga