Arquidiocese de Braga -

23 fevereiro 2007

A alegria de servir como ícone do cristão

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Fotografia

D. Jorge Ortiga

No funeral da Ermelinda Ferreira de Araújo, Presidente do Movimento "Familiares do Sacerdote"

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Há momentos em que só o silêncio consegue exprimir os sentimentos da alma. Este é um deles.
Só que, por outro lado, a fé como, experiência interior, não permite que calemos e teremos de ter coragem para proclamar que “nada nos separa do amor de Deus” e que “o amor tudo vence”.
Sendo difícil falar, talvez seja necessário olhar para o testemunho daquela que Deus chamou para junto de si. O mundo necessita de referências. A pressa e a desorientação fazem com que banalizemos a vida e nos habituemos a vidas medíocres, nossas ou dos outros. Sem elogios desnecessários nem palavras de lamentação, a vida da Ermelinda pode bater à porta de cada um de nós neste tempo favorável da Quaresma para ouvir a voz do Espírito.
Permiti uma breve meditação a partir da Palavra proclamada.
1 – Deus, criando a humanidade, quis tornar o mundo espaço e local dum banquete de festa e de alegria. Nascemos vocacionados para a felicidade, só que Ele não nos quer substituir. Tornou-nos “servos” deste banquete prometendo que a alegria está no dar e quanto maior fosse a disponibilidade mais sorrisos de satisfação interior teremos para oferecer como sinal duma vida repleta de humanismo.
Sim, hoje aqui nesta celebração, reconhecemos que não é utopia ou sonho ser feliz quando nos gastamos nos trabalhos que a vida nos reserva. Poderão parecer humildes, talvez muito caseiros e repetitivos. Colocar-se por inteiro naquilo que se realiza cria ambiente de serenidade e paz e faz com que quem vai “preparando” o banquete da vida saboreie, em primeira pessoa, como é maravilhoso viver para servir os outros.
No Reino de Deus os estatutos das pessoas valem pouco. Conta o que se semeia. Trata-se dum autêntico sacerdócio onde o sacrifício é oferecido no altar dos afazeres quotidianos.
2 – Intérpretes desta vocação de serviço alegre, teremos de reencontrar a fonte capaz de possibilitar este testemunho de vida feliz. Trata-se de assumir o estatuto de virgem recuperando a verdade desta palavra, despojando-o de interpretações parciais que a tornam algo exclusivo de alguns estados na Igreja de Deus. A virgindade é para todos nós desde que, apaixonados pelo noivo, tenhamos azeite nas nossas lâmpadas, sabendo que ele pode chegar a qualquer hora, talvez àquela que menos pensamos, pois não sabemos o dia em que acontecerá.
O mundo de hoje necessita de virgens, porventura casadas ou casados, onde no seu coração só haja espaço para Deus. A nobreza e a dignidade de todo o homem e mulher virá d’Este como único capaz de o preencher. Só Deus nos pode preencher e Ele torna-se a origem do nosso amor e faz com que o nosso amor oferecido não seja marcado por ambiguidades ou interesses. Ele é puro, atraente, belo, espontâneo, natural, acolhedor, respeitador, permanentemente disponível, ousado, carregado de sofrimento, sereno, tranquilo e tranquilizante, numa palavra, portador de paz.
3 – Se a virgindade significa permitir que Deus preencha a vida, sabemo-nos criados para uma habitação eterna. A vida tem princípio, a morada terrestre é desfeita, mas, com confiança, preferimos ir habitar junto de Deus. Aceitamos comparecer perante o Seu tribunal que é o único que saberá verdadeiramente dar-nos o que merecemos. Somos peregrinos e exilados na esperança duma recompensa, duma comunhão plena com Aquele que sempre esteve nas nossas aspirações e sonhos.
Daí que ao iniciarmos uma caminhada quaresmal – a Ermelinda teve o seu encontro no dia em que nos é recordado que somos pó – devemos sentir um estímulo para interpretar uma vida que deixe marcas dando valor ao que não desaparece com a morte:
- Espírito de serviço qual sacerdócio que se imola pelos outros.
- Amor à oração e à intimidade com Deus.
- Paixão pelos Sacerdotes, servindo-os e ajudando outras a que os sirvam.
- Tudo isto é uma prova inequívoca de que o cristianismo é alegria e que vale a pena experimentar.
Como Eucaristia, dou graças ao Senhor e juntamente com o Santo Padre que a agraciou com a Comenda de Benemerencia canto, como o que preside à caridade na Arquidiocese de Braga, o meu Magnificat pelas maravilhas que o Senhor realizou na vida da Ermelinda. Nós tivemos o dom de as experimentar. Só Deus as conheceu em profundidade.
Rezo, e peço-vos a todos que rezeis, para que apareçam pessoas disponíveis para, à semelhança de Maria, dizerem “Eis a Serva do Senhor” num trabalho pelos Sacerdotes. Peço à Ermelinda que junto de Deus não se esqueça do nosso “Movimento Familiares dos Sacerdotes” para que continuem a aparecer mulheres disponíveis capazes de se deixar preencher por Deus para, a partir daqui, servir os Sacerdotes. No dia 8 de Março, dia já marcado para o encontro dos Familiares, estaremos na Casa Sacerdotal, - que ela amou como sua e também para os familiares - para com os Sacerdotes doentes, agradecer a vida da Ermelinda e pedir a Deus outras Ermelindas com amor idêntico aos Sacerdotes.
Obrigado Ermelinda. O teu testemunho de serviço e alegria continuará. Se choramos pela tua partida, alegramo-nos pelo testemunho que nos destes e tem a certeza, se estamos neste dizer-te “Até breve”, em Igreja Diocesana, iremos concretizar o testamento que a tua vida nos deixa. As nossas flores são propósitos duma vida em permanente conversão, para continuarmos, todos juntos e ainda que nesta hora seja difícil, a proclamar: “Deus é amor” e “Nós acreditamos no amor de Deus”.

+ Jorge Ferreira da Costa Ortiga,
Arcebispo Primaz