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O que podes fazer em dois minutos?
Bom, a lista iria provavelmente da terra ao céu e nem sequer esqueceria a leitura deste texto. Mas James Spader não precisou de tanto para nos oferecer, no episódio 9 da primeira temporada de “Blacklist” (exibido pela primeira vez há sensivelmente um ano, a 25 de Novembro de 2013, na NBC), um dos mais soberbos monólogos de que há memória na já profusa história das séries para televisão – eu, que sou suspeito, diria mesmo: na história das artes visuais. Quem adivinharia, na verdade, que o então imberbe “Graham” de “Sex, Lies & Videotape” (Steven Soderbergh, 1989, Palma de Ouro em Cannes) seria capaz de se transformar num actor/camaleão de primeira água?
Parêntesis: estamos no território das ficções filmadas para televisão – no caso, dentro do sub-grupo dos policiais de espionagem, digamos, à falta de melhor. Ora, nesta tãopovoada geografia de imagens torna-se extremamente difícil colher algo a que possa corresponder um sublinhado (e ainda mais algo que possa fazer história, integrar uma antologia). Efectivamente, o que mais no imediato me vem à mente ao pensar (n)esse sobrecarregado universo, é mesmo a clássica “Panic” (The Smiths, 1986), quando Morrissey, sempre transbordante de ironia, junta a sua voz dengosa a um coral infantil para pedir que o “dj” seja enforcado.
Porquê? “Porque a música que ele passa constantemente não me diz nada sobre a minha vida”. Ora aí está o que acontece com a esmagadora maioria das séries para televisão: só dão música para embalar meninos…Não assim com “Blacklist” (entre nós rolou na SIC), que alia um argumento inteligente à soberba interpretação de Spader na pele de Raymond Reddington, criminoso internacional cheio de charme, que oferece ao FBI (mais exactamente à agente Elizabeth Keen, que gradualmente descobrimos ser sua filha) os seus serviços em ordem à captura de uma grotesca galeria de terroristas e psicopatas, inimigos públicos cuja existência até aquela força de segurança desconhece.
Um deles, o número 16, é Anslo Garrick, que tem contas a ajustar com Reddington (“Red” para os amigos, nos quais gostosamente me incluo). Empurrado para a frente por uma conspiração interna dentro do FBI, o vilão invade as instalações secretas onde opera a unidade de Keen, fere gravemente o agente Donald Ressler e obriga “Red” a refugiar-se com este no interior de uma caixa transparente selada, com vidro à prova de bala. Na iminência da morte, desprotegidos e indefesos, “Red” transfunde artesanalmente o seu sangue para salvar Ressler (que não vai nada à bola com ele) – faz-te lembrar algo? Mas, mais intenso ainda, o grande e arrepiante monólogo, em jeito confessional, interpretado por Spader. Começa com uma pergunta: “Já alguma vez navegaste através do oceano, Donald?”. Prossegue com uma série de coisas que o espirituoso protagonista não se quer dispensar de fazer antes de morrer, sendo a última delas uma noite de sono “como quando era rapaz”. Não é o que todos queremos, tendo-o ou não presente?
A câmara aproxima-se lentamente do rosto de “Red” até dar um grande plano aos seus grandes planos. A banda sonora, em fundo, apoia e acentua o dramático da cena. O monólogo de Reddington é a palavra de quem se encontrou há muito, discurso de despedida de alguém que se conhece profundamente. Qualquer pessoa que saiba minuciosamente o que quer fazer nos instantes derradeiros (minutos, dias, meses) é pessoa que profundamente se conhece. E quem se conhece já se encontrou – no momento em que se conheceu. No caso de “Red”, aquilo são os desejos de quem correu mundo e o tem todo lá dentro. Grande James Spader,como é que não te deram o Emmy???
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