Arquidiocese de Braga -
27 abril 2025
Sê original

Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, no II domingo da Páscoa - 27 de abril de 2025
1. Oito dias depois, veio Jesus...
A grande tradição da Igreja chama a este domingo o «domingo in albis» (o domingo em vestes brancas). De facto, os baptizados na vigília pascal traziam a veste branca durante toda a semana de Páscoa e no segundo domingo tiravam-na. Hoje, este dia é enriquecido com um nome novo, domingo da divina misericórdia. No entanto, os textos bíblicos da Liturgia da Palavra desenvolvem o tema da fé na ressurreição que se manifesta na comunidade de Jesus.
O texto evangélico narra o que os crentes são chamados a aprofundar a sua fé à luz das aparições de Jesus aos doze e a Tomé. Os elementos principais desta aparição são: a saudação, a missão e o dom do Espírito. A saudação de Jesus «A paz esteja convosco» é, propriamente, uma constatação da realização da sua paz. A missão dos discípulos não consiste apenas em anunciar a morte e a ressurreição de Cristo, mas também em continuar a missão que o Pai confiou a Cristo. O terceiro elemento da aparição é o dom do Espírito, o qual é dado aos discípulos para que se cumpra a nova criação. É neste contexto que Tomé exprime a máxima confissão de fé de todo o Novo Testamento. Ele dirige-se a Jesus como o antigo israelita se dirigia a Yahweh, isto é, como o Senhor (Yahweh) e Deus (Elohim). A bem-aventurança que se segue à confissão de fé ilustra bem o facto extraordinário da aparição do crucificado- ressuscitado; o chamamento da comunidade para acreditar através da escuta e o valor do anúncio do Evangelho: «...felizes os que acreditam sem terem visto». Tudo acontece ao domingo «na tarde daquele dia, o primeiro da semana...Oito dias depois...».
2. Milagre da Esperança
A Igreja, neste oitavo dia da Páscoa, recorda o grande dom do Batismo, do Espírito e do sangue de Cristo.
A primeira leitura apresenta um dos sumários do livro dos Atos dos Apóstolos, que têm como objetivo sintetizar a vida da comunidade nascente. O texto escolhido pela Liturgia refere-se aos milagres operados pelos Apóstolos, sublinhando que o poder divino manifesto em Jesus continua a operar na Igreja, porque os homens e as mulheres são libertados e são restituídos à plena vida e dignidade na sociedade e na história.
A luz da ressurreição torna visível o que parecia escondido pelo pecado. A expressão «dia do Senhor», que escutamos na segunda leitura, indica uma intervenção particular de Deus na história e designa a comemoração do triunfo pascal e o anúncio da parusia que os cristãos já celebram no domingo, o dia do Senhor e da sua Igreja.
O encontro com o Ressuscitado transfigura o coração e a razão e lança-nos um enorme desafio: «não chega só pregar sobre ti, meu Deus, dar-te a conhecer aos outros, desenterrar-te dos corações dos outros. É preciso abrir nos outros o caminho que conduz a ti, meu Deus, e para isso é necessário ser um grande conhecedor da índole humana» (Etty Hilesum).
3. Originais e não fotocópias
O Papa Francisco em 2021 escreveu-me uma carta, enquanto presidente da comissão episcopal de liturgia e espiritualidade, a propósito da vigésima quinta peregrinação nacional dos acólitos a Fátima: “Sê santo”: é a primeira coisa que te pede Jesus. E a segunda: “sê original”. [...], como te escrevi em 2019 na Exortação apostólica Cristo vive, «não serás santo nem te realizarás, copiando os outros. Quando se fala em imitar os Santos, não significa copiar o seu modo de ser e de viver a santidade: há testemunhos que são úteis para nos estimular e motivar, mas não para procurarmos copiá-los, porque isso poderia até afastar-nos do caminho, único e específico, que o Senhor predispôs para nós. Tens de descobrir quem és e desenvolver o teu modo pessoal de seres santo, independentemente daquilo que digam e pensem os outros. Fazeres-te santo é tornar-te mais plenamente tu próprio, aquele que Deus quis sonhar e criar, não uma fotocópia. A tua vida deve ser um estímulo profético que sirva de inspiração para os outros, que deixe uma marca neste mundo, aquela marca única que só tu poderás deixar. Ao passo que, se copiares, privarás esta terra e também o Céu daquilo que mais ninguém poderá oferecer no teu lugar”. Enfim, [...], sê santo, sê original! “Todos nascem como originais, mas muitos morrem como fotocópias”: observava o Beato Carlos Acutis. Queria ele dizer que, “embora parecendo diferentes, na verdade acabam por ser iguais aos outros, correndo atrás do que os poderosos lhes impõem através dos mecanismos de consumo e aturdimento. Assim, não deixam brotar os dons que o Senhor lhes deu, não colocam à disposição deste mundo as capacidades tão pessoais e únicas que Deus semeou em cada um”. Por favor, [...], não te deixes cair na mediocridade, que rebaixa e nos torna cinzentos. Mas a vida não é cinzenta, a vida deve apostar em grandes ideais. Não sigas pessoas negativas, mas continua a irradiar à tua volta a luz e a esperança que vêm de Deus! Como sabes, esta esperança não desilude; nunca desilude! Com Deus, nada se perde, mas sem Ele tudo está perdido. Não tenhas medo, pois, de lançar-te nos braços do Pai do Céu, e confiar n’Ele, que providenciará fazer de ti o santo original que Ele quer».
+ José Manuel Cordeiro
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