Arquidiocese de Braga -
27 junho 2025
Coração aberto e acolhedor

Homilia do Arcebispo, D. José Cordeiro, no Jubileu dos Presbíteros, Diáconos e Seminaristas, a 27 de Junho de 2025
1. Jesus amou-nos primeiro
Neste dia jubilar para o clero da nossa Arquidiocese, e de oração pela santificação dos sacerdotes, a liturgia da Palavra coloca diante de nós o modelo do Bom Pastor, Jesus Cristo, aquele Pastor que faz tudo pelas suas ovelhas.
Ontem, o Papa Leão XIV disse: «no coração do Ano Santo, juntos, queremos testemunhar que é possível ser sacerdotes felizes, porque Cristo nos chamou, Cristo fez-nos seus amigos (cf. Jo 15,15): é uma graça que queremos acolher com gratidão e responsabilidade».
Se meditarmos, com franqueza, o texto evangélico de hoje, chegaremos à conclusão que nenhum pastor no seu perfeito juízo deixaria 99 ovelhas para buscar a ovelha que se tresmalhou. Mesmo que insistisse em procurar essa ovelha, não deixaria as outras sozinhas, arranjando forma de as salvaguardar. Mas o pastor divino anseia chegar a todos, sem exceção e sem condição, por isso as suas ações vão muito além daquilo que humanamente podemos compreender ou fazer.
Este texto é a amostra do amor incondicional que Deus tem por cada um dos seres humanos, seus filhos. E a devoção ao Coração de Jesus, comemorada nesta solenidade, quer mostrar-nos exatamente esse amor ardente, desejoso do nosso amor por Ele: “O seu coração aberto precede-nos e espera-nos incondicionalmente, sem exigir qualquer pré-requisito para nos amar e oferecer a sua amizade: Ele amou-nos primeiro” (Dilexit nos, 1).
Por isso, viver a solenidade do Coração de Jesus e realizar este encontro jubilar neste dia, é um convite a olharmos e cuidarmos do nosso coração. Podemos olhar para ele enquanto “motor” do corpo humano, e por isso perceber se estamos a cuidar física e psicologicamente de nós mesmos, de modo a estarmos mais capazes para exercer a nossa missão de presbíteros e diáconos, junto daqueles a quem fomos enviados.
2. Coração, capital do amor
Mas, e sobretudo, devemos olhar para o coração como “lugar da sinceridade, onde não se pode enganar ou dissimular” (DN, 5), o lugar mais profundo da existência de cada um de nós. O Papa Francisco disse-nos que no coração tudo está centrado e unificado; que o coração “pode ser a sede do amor com todas as suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas. Em última análise, se aí reina o amor, a pessoa realiza a sua identidade de forma plena e luminosa, porque cada ser humano é criado sobretudo para o amor; é feito nas suas fibras mais profundas para amar e ser amado” (DN, 21).
Há uma necessidade, inerente a cada ser humano, de nos sentirmos amados e reconhecidos. Como bispos, padres e diáconos também sentimos essa necessidade, porque não somos diferentes dos outros seres humanos. O modo como satisfazemos essa necessidade é que é diferente. Somos chamados a uma entrega radical, onde temos de abdicar de certos modos de nos sentirmos amados, aprendendo a beber na fonte do Coração de Jesus o amor que necessitamos para a nossa sobrevivência, deixando-nos abrasar por esse amor primeiro que Ele tem por cada um de nós. É preciso continuar a trabalhar a interioridade.
3. Somos de Deus
Contudo, sabemos que nem todos conseguem lidar com esta formação integral e integrada da mesma maneira, caindo nas tentações do dinheiro, dos desregramentos, do individualismo e da vaidade, a ponto de exercerem o seu ministério de uma forma que perpassa o abuso de poder, de consciência, espiritual, podendo deslizar para outros tipos de abuso. Outros fazem-no de uma forma em que o ser presbítero ou diácono parece ser apenas uma entre outras ocupações, e não sendo sequer a mais importante dessas ocupações.
Refiro estas posturas em jeito de alerta, para despertar a nossa consciência e o nosso coração, para fazermos à maneira de Cristo, ou seja, todos temos a responsabilidade de ir encontro destes irmãos, para que através das nossas palavras e gestos eles possam sentir o amor do Senhor e sejam novamente abrasados por esse amor, para que se convertam, entregando-se a Jesus Cristo e à missão evangelizadora com o coração aberto e acolhedor.
Sim, «“Porque o amor de Cristo nos possui”, como nos lembra o Papa Leão XIV – É uma posse que liberta e que nos permite não possuir ninguém. Libertar, não possuir! Somos de Deus: não há maior riqueza a apreciar e partilhar! É a única riqueza que, compartilhada, se multiplica».
Que no nosso coração abundem os sentimentos e atitudes do Coração de Jesus: misericórdia, compaixão, paciência, perdão, escuta, proximidade, hospitalidade. Que saibamos construir um presbitério unido, fraterno, de pessoas que se amam. A paciência é a esperança quotidiana.
O nosso P. Abílio Correia, chamado “o apóstolo da Eucaristia” escreveu: «Os homens mostram-se sensíveis perante uma vida sacerdotal mortificada. Um coração de sacerdote que não sangre não é um coração de sacerdote». Há 100 anos (no II Congresso eucarístico arquidiocesano, Póvoa de Varzim, 2 a 5 de julho de 1925), apresentou-se assim: «pobre pároco de uma pobre aldeia, onde não há um chapéu, onde não há uma gravata, onde apenas há uma escola, e essa há um ano, onde nem sequer há correio, mal pode falar numa assembleia tão brilhante», concluindo com um voto: «Comungar! Comungar! Comungar!»
Só na comunhão e na caridade fraterna é credível a evangelização. São Paulo VI ao falar da evangelização como um ato eclesial, parte duma dupla convicção: «A primeira é a seguinte: evangelizar não é para quem quer que seja um ato individual e isolado, mas profundamente eclesial. Assim, quando o mais obscuro dos pregadores, dos catequistas ou dos pastores, no rincão mais remoto, prega o Evangelho, reúne a sua pequena comunidade, ou administra um sacramento, mesmo sozinho, ele perfaz um ato de Igreja e o seu gesto está certamente conexo, por relações institucionais, como também por vínculos invisíveis e por raízes recônditas da ordem da graça, à atividade evangelizadora de toda a Igreja. Isto pressupõe, porém, que ele age, não por uma missão pessoal que se atribuísse a si próprio, ou por uma inspiração pessoal, mas em união com a missão da Igreja e em nome da mesma. Donde, a segunda convicção: se cada um evangeliza em nome da Igreja, o que ela mesma faz em virtude de um mandato do Senhor, nenhum evangelizador é o senhor absoluto da sua ação evangelizadora, dotado de um poder discricionário para realizar segundo critérios e perspetivas individualistas tal obra, mas em comunhão com a Igreja e com os seus Pastores» (EN 60).
Da comunhão à missão. O cultivo da comunhão é desafio sempre novo. Este é o caminho para continuarmos a eucaristizar, esperançar e sinodalizar vitalmente o caminho de Páscoa, numa participação ativa e criativa para servir e acolher a todos.
Caríssimos bispos, presbíteros, diáconos e seminaristas: obrigado por serdes um profícuo testemunho de esperança para o Povo de Deus!
+ José Manuel Cordeiro
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