Arquidiocese de Braga -

17 março 2018

Continuadores da única missão

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Homilia na eucaristia de homenagem ao Mons. Silva Araújo

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A Eucaristia é essencialmente uma oportunidade que Deus nos concede para lhe darmos graças por muitas e variadas coisas que a vida nos proporciona. Infelizmente habituamos a associá-la à realidade da morte, como o momento privilegiado dos funerais ou sufragando quem já partiu. Urge recuperar o sentido festivo da eucaristia e marcá-la pela autenticidade do louvor. Aí colocamos as graças de ter conhecido e crescido na amizade com pessoas, assim como nos podemos deter nas qualidades com que Deus brindou pessoas amigas para as reconhecer e felicitar por quanto contribuíram para o crescimento da Igreja e o desenvolvimento da sociedade.

Hoje, na comunhão da Igreja, fomos convidados a, nesta eucaristia, reconhecer o trabalho realizado por Deus na vida do Mons. Silva Araújo e para nos ajoelharmos perante a alegria com que o seu conhecimento feito amizade nos enriqueceu no nosso peregrinar. Vemos o dom do sacerdócio e o que ele suscitou nas missões que lhe foram confiadas, particularmente em três grandes áreas complementares. O jornalista que escreveu e escreve, orientou jornais e jornalistas, para que a Igreja usasse este púlpito de modo a, através da informação, mostrar o sonho de uma sociedade mais humana. O reitor de uma Igreja e Irmandade na solicitude e entrega a um ministério exigente de celebrações onde a graça de Deus se entrelaça com a disponibilidade e entrega para que muitos se encontrem consigo e possam partir com fé e serenidade perante as adversidades. O Padre que, para além de anunciador da Palavra e celebrante das graças divinas, mergulha também no esforço de uma presença activa no mundo social.

São três mundos que poderiam trazer à memória muitos outros como, por exemplo, educador do Seminário, professor em escolas e serviços de muitas outras instituições, civis ou religiosas. Por todos os lugares só contava a alegria de comunicar a verdade do Evangelho. Feita pela palavra anunciada, pela poesia meditada ou pela prosa narrativa, tudo se tornou campo onde a vida transparecia os talentos como bom e fiel administrador.

Nesta acção de graças e homenagem, recordamos, como não podia deixar de ser, o exemplo de Cristo. Ele era o enviado do Pai para comunicar a Boa Mensagem a todos. Poucos o quiseram acolher. O Evangelho de hoje recorda que alguns o aceitaram como profeta. Outros recusaram-no e quiseram abafar a Sua voz. Só alguns, muito poucos, reconheceram que “nunca ninguém falou como este homem.” 

Outrora com Jesus, e hoje com quem acredita que o desânimo ou desencanto nunca é permitido, sabemo-nos intérpretes de uma tarefa que toca a todos e a cada um. Os talentos e as capacidades serão sempre desiguais. Mas urge investir e colocar tudo a render. Nada é pouco quando é dado com alegria. Quando na vida nos apaixonamos por uma causa ou ideia nunca nos desiludimos.

Aqui reside a dimensão prática do significado desta homenagem. O jornalismo não é um privilégio de alguns. A corresponsabilidade na vida de uma igreja ou basílica não reside num pequeno grupo de pessoas que não têm que fazer. O servir em instituições como as Misericórdias não é apanágio de um grupo sacrificado e disponível para todas as interpelações que quotidianamente são dirigidas. A missão é universal e todos são insubstituíveis na causa do Reino. 

A cidade de Braga tem muita gente que, num espírito de fé, se entrega voluntariamente a diferentes causas. Verificamos que o número tem crescido nos últimos anos. Mas não serão poucos aqueles que servem e mostram alegria em trabalhar pela Igreja? Quando olhamos para o Mons. Silva Araújo, parece impressionante como encontra tempo para escrever tanto, para servir as comunidades cristãs, para estar ao serviço de causas eclesiais. Não estaremos a ouvir o apelo a que, como ele, sejamos caminhantes pelas estradas das nossas comunidades paroquiais e pelas causas das nossas instituições? Não estará a nossa multisecular cidade de Braga a adormecer e a impedir que a novidade surja? Gosto e defendo as tradições. Um jornal que nos obriga nos seus quase cem anos, uma Confraria das Dores que se preza no cuidado com a Basílica e a Senhora das Dores, o quotidiano das obras de misericórdia vividas com a atenção aos mais carenciados, assim como no cuidado com o património, cultura, procissões. Mas ouso perguntar: Não poderíamos fazer muitas outras coisas novas, com mais pessoas a trabalhar e a mostrar a sua generosidade?

Desde os tempos em que fui Reitor dos Congregados, usava uma frase que hoje já a vejo repetida por muitos, a começar pelo treinador do Braga. Continuo a servir-me dela e alguns sacerdotes dizem que estou a ser pessimista. Não o creio. Trata-se só de estímulo. Hoje gostaria de a aplicar neste contexto. Refiro-me, muitas vezes, como “contente mas insatisfeito”.

Com estas duas palavras, e dando à homenagem um cunho dinâmico, começarei por dizer que temos um Diário do Minho, construído por muitos, e que hoje é uma referência no espaço do jornalismo regional. Se ele for amado por mais bracarenses, e se tiver uma participação mais diversificada, quem nele trabalhou sentir-se-à agradecido e recompensado pelas energias gastas e noites passadas sem dormir. Temos muita gente a dinamizar as nossas iniciativas pastorais nas paróquias. Se tivermos mais gente a colocar ao serviço as suas múltiplas qualidades, poderemos servir muito melhor a Igreja e a cidade. Temos uma plêiade de homens e mulheres a dar vida às Confraria e Irmandades. Se acrescentássemos outros talentos e sugestões, permitíamos um serviço com outra dimensão e qualidade, completando o trabalho que alguém já realizou e quer continuar a fazer.

Dando graças a Deus pelo homem, sacerdote, por aquilo que é e pelas funções que desempenhou, acreditando que podemos estar contentes mas que teremos de permanecer insatisfeitos, perpetuemos esta homenagem com iniciativas novas, tão importantes para a cidade, e rejuvenesçamos as nossas tradições e costumes de que nos orgulhamos. Sejamos intérpretes deste trabalho de suscitar uma maior responsabilidade dos bracarenses dentro das instituições eclesiais, existentes ou a criar, e mostremos que o trabalho realizado por quem homenageamos, ou por outros, será um estímulo para muito mais e melhor.

Os judeus não queriam aceitar Jesus como o Profeta. Hoje muitos preferem o silêncio da Igreja. Ergamos todos a voz, sacerdotes e leigos. Anunciemos a verdade e trabalhemos pela implantação do bem. O belo, dentro e fora das instituições eclesiais, continuará a resplendecer na Igreja de Braga e, por esta, na cidade que amamos. Que a Senhora das Dores e a Senhora do Manto nos dê a alegria de sermos sempre anunciadores do Evangelho e realizadores de uma sociedade mais humana.

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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