Arquidiocese de Braga -

16 abril 2020

Quinta-feira da Oitava da Páscoa

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Os primeiros momentos da Igreja foram de grande intensidade para os apóstolos e para os discípulos. O Espírito tinha dado vida a uma comunidade que não só acreditava no amor de Deus mas que, sobretudo, vivia apaixonadamente o mandamento do amor. A partir daqui muitos acontecimentos foram surgindo. Os apóstolos realizavam milagres mas também cresciam na normalidade de uma vida humana com os seus problemas e desafios. Nunca esqueciam que deviam ser testemunhas da ressurreição e que teriam de aproveitar todas as circunstâncias para o fazer. Era mesmo como S. Paulo, mais tarde, viria a referir. Pregava-se oportuna e inoportunamente.

Uma característica acompanhava este anúncio. Entre os apóstolos não havia letrados nem grandes pensadores. Era a vida simples e igual a todos os outros, com momentos particulares que se iam desenrolando dentro da normalidade. Como consequência deste agir silencioso, a pregação espelhava as experiências que juntos viviam, eram comunicadas com o realismo de quem as tinha vivido na primeira pessoa.

Foi esta realidade que verificamos com S. Pedro na primeira leitura. Muitos os procuravam por causa do coxo de nascença que tinha curado e que não os largava. Pedro parte da verdade do que aconteceu para anunciar que Cristo era o autor do milagre, o mesmo que eles tinham morto e depois ressuscitou. Disse ainda que tudo aconteceu para se cumprissem as escrituras. Não houve doutores a falar da verdade mas sempre a partir de algo que ninguém podia contestar.

Também os dois discípulos de Emaús contaram tudo o que havia acontecido no caminho, como Jesus se tinha dado a conhecer no partir do pão. Acreditaram perante tudo o que tinham ouvido e visto. Também Jesus desceu ao concreto quando aparece no meio deles. Mostrou as mãos e os pés e convidou a que o tocassem. Pediu algo para comer a fim de que tivessem a absoluta certeza de que estava vivo. Só depois esclareceu, uma vez mais, que o Filho do Homem teria de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia.

Podemos daqui extrair uma lição para a nossa responsabilidade de anunciar que Cristo está vivo. Só a partir daquilo que vamos experimentando, a partir de tudo o que a Palavra de Deus, que deve ser Palavra de vida, vai suscitando em nós. Alimentados pela Palavra, permitimos que ela frutifique e, depois, sentimos que a devemos partilhar e pôr em comum. Isto nas conversas do quotidiano mas também nos nossos encontros e reuniões. Precisamos de reflectir e de pensar juntos. Mas tudo orientado para a vida a tornar-se testemunho. Ainda há muito pudor e falta de modéstia neste comungar tudo quanto Deus realiza em nós. Necessitamos da vida que não nos pertence e de a colocar a circular em atitude desinteressada e de comunhão. Dar a Jesus no outro ou nos outros o que Ele realizou em nós. Esta é a linguagem que todos necessitam. Para os crentes, o concreto das experiências será um estímulo para que algo idêntico aconteça. Para os incrédulos, com quem nos encontramos na vida, terão oportunidade de ver que o Evangelho não é um livro e que os cristãos não são propagandistas de uma doutrina teórica. A nova evangelização terá obrigatoriamente de ter este cunho de anúncio da verdade a partir do que aconteceu.

Importa, por isso, que acreditemos na vida a nascer da Palavra, e que saibamos que tudo deve ser comunicado com muita simplicidade e espontaneidade. As nossas conversas de católicos são muito vazias e de simples partilhar de curiosidade ou de coisas das crónicas diárias. Falamos de tudo e temos vergonha de levar para as conversas quotidianas o que temos de Deus em nós. Anunciar a Páscoa. Está aqui!

Sabemos que o agir pastoral das comunidades é muito repleto de iniciativas e de coisas que só acontecem por causa do Evangelho. Muitas vezes nos interrogamos qual o motivo de tantas iniciativas em favor dos mais carenciados e marginalizados. Tudo nasce do encontro com Cristo. Por Ele não há cansaço nem procura de protagonismo. Mas, nos tempos que correm, a Igreja terá de colocar na praça pública o que vai fazendo. Muitos poderão não concordar comigo, dizendo que a mão esquerda não necessita de saber o que faz a direita. Muitos querem-nos reduzir à insignificância. Nós temos um papel relevante na sociedade. O bem está sempre a acontecer e a luz é para ser colocada no candelabro e não debaixo do alqueire. O anúncio do Evangelho passa por tanta história concreta, tantas experiências, simples ou heróicas. Importa que ousadamente mostremos o que somos e porque o fazemos.

 

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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