Arquidiocese de Braga -

22 abril 2020

Quarta-feira da II Semana da Páscoa

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Continuamos a escutar a leitura do livro dos Actos dos Apóstolos e a seguir os primeiros passos da Igreja nascente. O partido dos saduceus, juntamente com o sumo sacerdote, enfurecido pelo facto dos apóstolos não se calarem e continuarem a pregar, meteram-nos na cadeia pública. Libertos por um Anjo do Senhor, obedeceram ao que este lhes disse e dirigiram-se imediatamente para o templo a fim de ensinarem o povo que os ouvia com atenção e sentido de adesão. A Igreja começou assim a construir-se no templo ou na Sinagoga. Só mais tarde, quando a perseguição se tornou generalizada e os apóstolos tiveram de dispersar-se, é que os cristãos se foram abrindo a outros espaços. Um dos objectivos era anunciar o Reino aos pagãos que não frequentavam o templo. Este era o lugar preferencial para falarem com os judeus de modo claro: Cristo foi por Deus ressuscitado. Muitos aceitavam a nova doutrina, muitos outros recusaram e fizeram perseguições. Tudo teve início em Jerusalém mas não ficou por ali.

Jesus ressuscitou e subiu aos Céus. Tornou-se invisível para aqueles que tinham comido com Ele e ouvido as Suas palavras. Agora assume-se um projecto novo e começa uma nova aventura onde tudo se torna visível através da comunidade. Homens e mulheres começam a reunir-se para ouvir a palavra e partilhar uma vida de comunhão. Muitos foram conquistados no templo mas iam crescendo num outro polo à volta do qual a Igreja começou a edificar-se. As casas tornaram-se lugares de encontro e de oração. Algumas pequenas e para pequenos grupos. Outras maiores e para grupos mais consistentes. Foram estas os primeiros lugares de encontro e oração. O templo servia para ensinar os judeus e quem quisesse ouvir. As casas começaram a ser as igrejas daquela época. Tudo era muito natural e, consequentemente, muito familiar. Foram vários séculos onde isto foi acontecendo. Muito mais tarde foram surgindo espaços construídos exclusivamente para a pregação e culto.

Se a Igreja nascente girava à volta de dois polos – a sinagoga e as casas – hoje, com as nossas igrejas e catedrais, teremos de recuperar as casas como Igrejas-domésticas. Os séculos foram acrescentando muito à compreensão da missão da Igreja. Tudo foi colocado nos edifícios das igrejas, perdendo-se a experiência maravilhosa do lar. Nestes dias temos sido obrigados a regressar a este espaço. A pandemia obrigou-nos não a criar algo de novo mas a recuperar o que foi o alicerce de uma vida de coerência e autenticidade cristã. Foi a partir das casas que os cristãos ganharam coragem para nos primeiros três séculos darem a vida por Cristo. As perseguições mostraram a profundidade de uma fé a quem a morte não metia medo. Muitos derramaram o seu sangue. E quando os perseguidores pensavam que acabaria com estes pequenos grupos de pessoas unidas a Cristo e aos irmãos, a sua morte tornava-se semente de cristãos. Quantos mais matavam, mais cristãos apareciam.

Os tempos de hoje também são muito adversos ao cristianismo. Passou o tempo da cristandade onde tudo favorecia e ajudava uma fé pouco personalizada e limitada a certos hábitos e tradições. A fé tornou-se superficial e sem grande consistência. Hoje teremos de recuperar um novo rosto de cristianismo e a casa pode ser o lugar onde isto acontece. Os pais devem aprofundar as razões da sua fé para terem a capacidade de a transmitirem. As crianças serão capazes de acolher a mensagem e os jovens conseguirão oferecer o seu entusiasmo e ardor. Não teremos celebrações de eucaristias mas momentos de oração a partir da Palavra de Deus. A formação cristã será mais dialogada e adaptada à idade e condições dos filhos.

A comunidade será sempre a referência. Para ela se deve orientar a vida para aí celebrar os momentos mais significativos e marcantes. Convido todos os que nos vão seguindo nesta experiência extraordinária de vivência da fé a pensarem e ponderarem no que poderá acontecer num futuro próximo. Não somos nós que delineamos o futuro da Igreja. Resta abrir-nos ao Espírito Santo e permitir que Ele vá delineando novos modos de viver a fé. A Igreja primitiva de Jerusalém não sabia para onde era conduzida. Apenas se deixou conduzir. Toca-nos hoje este espírito de abertura e muita coisa nova poderá surgir. Não precisamos de ter ideias muito claras por onde ir. Por vezes, isto é uma tentação. Deixar-se conduzir e tornar-se maleável será ou poderá ser uma descoberta de uma nova imagem da Igreja. Não desconsideremos o templo com tudo aquilo que ele significa hoje. Mas acreditemos nos caminhos novos. Uma nova imagem de Igreja pode nascer se nos deixarmos conduzir.

 

† Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz


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