Arquidiocese de Braga -

22 março 2020

IV Domingo da Quaresma

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Homilia no Paço Arquiepiscopal

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Iniciamos mais uma semana e preparamo-nos para acolher uma nova proposta do nosso itinerário quaresmal. Para esta semana são-nos sugeridas duas palavras. Olhando para a Palavra que nos foi comunicada, devemos reter o verbo ver para a partir daí exercer um profetismo colegial. Ver com olhos cristãos o mundo e a Igreja e exercer uma participação activa em ordem a um futuro diferente.

O evangelho relata a cura do cego de nascença que, depois de curado, afirma que foi um profeta que o curou. S. Paulo interpela-nos dizendo: “Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos” (Ef 5,14). A primeira leitura relata-nos o processo de escolha do Rei David. Samuel, profeta de Deus, chamou David a assumir essa responsabilidade. Mas, ao mesmo tempo, recorda-nos que Deus não olha ao belo aspecto nem à estatura, como que sublinhando e recordando que o chamamento é para todos.

Enquanto participante na missão de Cristo, o crente deve ter uma sensibilidade especial para ver o que a história lhe vai colocando diante dos olhos. Não se trata de um gesto de curiosidade mórbida, a que tantas vezes se poderá juntar a crítica. É importante ver com autenticidade e não viver de olhos fechados como se nada estivesse a acontecer ao nosso redor, ou como se a nossa vida fosse uma aventura de alguém enclausurado nos seus sonhos e projectos. Fazemos parte do mundo e ele está sempre a interpelar-nos com desafios que não podemos fazer de conta que não são para nós.

Precisamos de ver o que está a acontecer ao nosso lado, na Igreja e na sociedade. Convido-vos a que aproveiteis este tempo mais vazio de ocupações profissionais para olharem, em primeiro lugar, para a comunidade a que pertenceis. Os sacerdotes têm aqui uma oportunidade única para repensar o essencial da vida comunitária, naquilo que se faz e naquilo que se é. Nem sempre há tempo para rever e ousar mudar, se for o caso. Quero crer que o Espirito fará ver certos pormenores que poderão ser diferentes na celebração dos mistérios, na proclamação das verdades e no exercício da caridade. 

Poderá estar a existir muito clericalismo e desconsideração pelos talentos e carismas dos leigos. Pode estar a acontecer uma certa inércia fruto de algum cansaço; poderá estar a faltar espírito nas actividades e na atenção aos outros. Aos leigos, quero agradecer que olhem para a comunidade como algo que lhes diz respeito. O Espírito Santo também está em vós e necessitamos de caminhar sinodalmente, que quer dizer com a responsabilidade pessoal que é sempre insubstituível. Não será que as comunidades estarão a ser demasiado clericais e pouco “povo de Deus”? As coisas não poderiam funcionar melhor com o contributo de mais pessoas? Sabemos que é o amor vivido entre todos que constrói a comunidade e isto pode ser campo para um sério exame de consciência. Queremo-nos bem? Somos concretizadores de um amor de compreensão, aceitação, entreajuda, serviço, perdão?

O Papa Paulo VI, no discurso do encerramento do Concílio Vaticano II, convidava a Igreja a responder à pergunta: “Igreja que dizes de ti mesma?”. Não será oportuno e urgente regressar a este desafio? Sejamos capazes de ver com verdade. Sem medo! Coloquemos o dedo na ferida, se necessário. Sem a ousadia de ver nunca chegaremos a ser a Igreja que devemos ser. Com muita amizade, permiti que vos diga baixinho e ao vosso coração. Estou contente com o modo como estou a viver o meu sacerdócio? Posso sentir-me satisfeito com o modo como vivo a minha fé? Também eu vou interrogar-me se estou a ser fiel a todas as exigências do meu ministério episcopal.

Não ignoremos, também, o mundo que nos rodeia. Não somos simples peças da sociedade. Somos um corpo social. E o futuro da sociedade também pode estar nas nossas mãos. Ver o mundo com objectividade. Sabemos que não é fácil! Há diversas estratégias para nos enganar. Abramos os olhos e tomemos consciência das realidades que nos envolvem. Há muita coisa positiva. Mas o negativo também prolifera. Tomemos consciência. Nunca podemos ser movidos pela simples curiosidade que alimenta críticas que não constroem.

Perante tudo o que vemos, é urgente activar um profetismo interventivo. Profeta não é aquele que vê o amanhã mas aquele que vê longe e intervém com ousadia e coragem. Há um compromisso de construir. Devemos falar quando é necessário, mas será sobretudo a vida a mostrar como as comunidades cristãs devem funcionar a vida, como a sociedade deve ser transformada. O testemunho grita mais alto do que bonitos discursos inconformistas e talvez contestatários.

Isto não querer dizer que não devamos manifestar uma indignação profética que denuncia situações de injustiça na sociedade e de anormalidade nas comunidades. Nem sempre a Igreja consegue ser o que deve ser e estar do lado dos mais pobres e necessitados, tal como oferecer a sua voz a quem não tem voz para denunciar as atitudes e as palavras daqueles que têm demasiada voz. Sabemos que há estruturas montadas para propor um estilo de sociedade que encaminha tudo para pequenos grupos. O lugar da Igreja é do outro lado. Não pode optar por conluios e pensar que não vale a pena trabalhar por uma sociedade mais justa e fraterna.

Queremos uma Igreja com rosto profético e, por isso, a profecia é acção de todo o povo de Deus e todos devem ser capazes de romper com tantos silêncios, afastando-se de medos que paralisam, para semear esperança no meio de problemas e dificuldades. Talvez no passado nos tenhamos fechado no seio das comunidades, mas hoje temos de sair e mostrar outros caminhos para a Igreja e para a sociedade. Vejamos com verdade e mostremos o que devemos ser em Igreja e na sociedade.

 

 † Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

 

 

Introdução

Neste Domingo, e na impossibilidade de entrarmos numa igreja, convido-vos a que vos imagineis na igreja onde costumam participar na eucaristia. Aqueles que porventura não praticam, pensem nalguma igreja, santuário da vossa devoção. Pessoalmente, quero pensar nas 551 paróquias da nossa Arquidiocese, assim como em todos os santuários e capelas onde habitualmente se celebra a eucaristia. Sintamo-nos em comunhão, de um modo afectivo e efectivo. É possível à distância sentir e experimentar o mesmo e único amor de Cristo. Ele está presente, em cada um de nós e entre nós. Não há distâncias em Cristo. Nesta consciência da Sua presença, preparemo-nos para escutar a Sua Palavra. É Palavra de vida e para a vida. Que o silêncio nos acompanhe durante os momentos que passaremos unidos. Em Cristo, é a Arquidiocese que queremos sentir como Igreja particular que louva a Deus, agradece tantos benefícios e solicita as graças necessárias e sobretudo que a todos proteja neste momento de pandemia. Somos um corpo orante! Deus ouvirá as nossas vozes.

Momento da paz

No apelo que no início desta eucaristia, a que nos sintamos Igreja a partir da igreja de cada um, quero agora pensar nos sacerdotes. Quero sentir-me em unidade com os 340 sacerdotes da nossa Arquidiocese. Os tempos actuais são de mais algum descanso, mas também de tristeza por não poderem oferecer todos os serviços pastorais aos cristãos que lhes estão confiados. Sei que sozinhos estão a celebrar as eucaristias, tendo na sua mente o seu povo. Ninguém ignora como é difícil ser pároco hoje. São tantas as solicitações mas também tantas as incompreensões. Imagino particularmente os Domingos com a correria de um lado para o outro para poder servir em todos os lugares de culto. Quase não dá para se concentrar e celebrar com a calma necessária. O seu ministério é muito exigente. Neste momento, quero saudar cada um com muito afecto e peço que manifestem, também, um gesto de carinho pelo vosso pároco. Rezai habitualmente por ele, evitai as críticas, colaborai na paróquia. Sentireis a paz que só Deus vos pode dar.

Despedida

Fizemos uma experiência de comunhão. Vamos continuar. A originalidade da fé cristã está aqui. Ninguém é cristão sozinho. Temos o compromisso pessoal com Cristo. Alargamos o nosso coração e sentimos o amor de quem nos está ao lado e podemos tocar, mas também daqueles que, na mesma fé, nos asseguram que caminham connosco. Avivemos este sentido de pertença à Igreja e alimentemos-nos desta solidariedade cristã. Mas recordemos que ela não é apenas espiritual. Necessita de se tornar concreta. Não bastam as intenções. É com os próximos que construímos comunidade, vendo as suas necessidades e respondendo concretamente. Não fechemos os olhos. Acordemos para este compromisso de ser uma coisa só com todos. Que a vida dos outros nos corresponsabilize naquilo que nos pedem e naquilo que somos capazes de ver com o coração. Seguindo as suas intuições, seremos muito mais concretos no amor.


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