Arquidiocese de Braga -

6 maio 2025

Opinião

Somos d’Ele e para Ele

Ir. Maria Emília Nunes Garcês

Em tempo de Oração pelas Vocações, dedicado à meditação e consolidação da fé, os fiéis se ligam em oração e suplicam a Deus que ilumine os que sabendo-se d’Ele, se dispõem, com Teresa d’Ávila a dizer-Lhe: “sou vossa(o) sois o meu mim fim, que mandais fazer de mim.” Importa lembrar que Deus não quer amor e reverência a contragosto. Temos o poder nos furtar aos braços de d’Ele. Mas urge ter a consciência, que se nos negarmos a primeirar por Ele, e para Ele, castigamo-nos a nós próprios, porque Ele definitivamente nos respeita. Logo é de suma importância proporcionar a todos os jovens a consciência do devido a seu Senhor e a possibilidade e apoio na hora de discernir a vocação a que os chama, seja ela o sacerdócio, vida religiosa ou matrimónio.

É com o despertar da adolescência que se rasgam horizontes e emergem os sonhos mais belos. Anseios de um amor grande, elevado! A essas aspirações se contrapõem situações visualizadas de desamor, confirmadas nas vizinhanças: injustiças, amor prometido e não-doado, filhos largados, enfim, sofrimento imerecido de inocentes…

Foi aqui, neste horizonte de questionamentos e inquietações, que fui impelida adentrar no íntimo do meu ser, à busca e à escuta mais fervorosa de Jesus, no Evangelho. Fontes que antevia cristalinas, luminosas e aí mergulhava seduzida em profundidade. E bem depressa percebi o coração a incendiar-se de luz e encanto: Cristo se dizia e me convencia, ser solução, sentido único para a sede de bem, de amor e de alegria que me consumia. Ele e só Ele, o Supremo Bem a ser buscado e irradiado. Percebo-me então feita para me exercitar na arte de amar, no seguimento e missão do Mestre.

Percebia que era belo gerar filhos para o céu… numa linda família. Mas ardia em meu coração, superior encanto pela missão do sacerdote que, então contemplava... E assim, germina o desejo de também eu dar, por inteiro, a vida a Deus e levá-L’O a todos, como o mais sublime horizonte de bem, de plenitude de vida e de alegria sem fim! Começo na minha terra: na Catequese, com adolescentes e jovens, no trabalho…

Conheci Religiosas, Institutos de leigas consagradas. Não me prende que baste seu estilo de doação. Foi a vinda de missionários\as à minha terra, que propiciou em meu íntimo o veemente apelo a também eu, me dispor a servir desse jeito a missão da Igreja de levar Jesus a todos os que O não conhecem, aos mais pobres de entre os pobres.

Meus pais, que desejam ter um filho padre, não desejam entregar a Deus a única filha para ser Religiosa Missionária, na missão Ad Gentes. Rejeitam, desmotivam tal projeto de vida, ao ponto de um deles me dizer, ao ver que persistia, que seria melhor para ele fazer-me o funeral, a ter de ver-me partir para longe deles. É imensa a luta interior vivenciada! Decido esperar os 21 anos para poder dispor de mim. Chegaram, mas deixar meus pais... A mim e ao Senhor dizia: “serei missionária na minha terra, exortarei outros a segui-Te...” Dava-me à missão, colaborava com os missionários, levava rapazes e meninas a retiros vocacionais… Porém, se silenciava e me dirigia ao coração, percebia, com dor, que aquela íntima e amável voz persistia: o Senhor é Deus: Ele nos fez, e a Ele pertencemos”. Salmos 100,3; “Quem ama o pai, a mãe… mais que a mim não é digno de mim”. Mateus 10,37

Padecia amargamente por ver meus pais desgostados, e pelo sentimento de cobardia diante da preferência de Deus. Percebia-me descontente para a vida toda, se não me determinasse. É nesta circunstância que me chega, por carta, o convite para um retiro vocacional. Surpreendida… me decido, contra à vontade de meus pais, (um deles me diz: “havias de morrer, já não me fazias sofrer mais”), pelo retiro vocacional, no intuito de falar com alguém desta luta. Aí me determinei e mais me convenci que somos d’Ele e para Ele, e que “os pais são para os filhos, os filhos não são para os pais”. E assim parti chorando e deixando-os chorar e maldizer… certa que o Senhor haveria de curar as feridas que por Ele se abrissem. E pude verificá-lo nas palavras que meu Pai me dirigiu, em sua última carta, 3 semanas antes de sua morte, aquando de minha missão no Brasil: “Emília, tu és a minha paixão, tu estás sempre em meu coração, não morrer sem ti é a minha devoção. Então, tu não vens? Queria tanto ver-te antes de morrer, queria pelo menos ouvir tua voz! Mas, se não poder ver-te nem ouvir a tua voz, vou-te ver, lá do céu a rezar mim.” E assim morre feliz, sem me ver, este pai, na certeza da fé e na alegria da esperança de ver, da eternidade, a filha amada, a quem se resignou doar a seu Criador e Senhor.

Em nosso tempo faltam sins a Deus, não vocações. O Senhor da messe não deixa de escolher, de solicitar, de chamar quem Ele quer para, a Seu jeito, lhes proporcionar, a vida em abundância. É hora de nos apaixonarmos: famílias, agentes de pastoral… de modo a facilitar aos jovens o encontro enamorado com seu Dono e Senhor, na Sua Igreja, para que se encontrem, O encontrem e deslumbrados e felizes n’Ele, o levem a todos. 

Sou Missionária do Espírito Santo há 39 anos, felicíssima por em Portugal, no Brasil, na Guiné-Bissau e em Angola, testemunhar, na medida de meus possíveis, a paixão pelo Mestre Jesus, a alegria, de no doce e amargo das veredas da vida lhe querer sorrir, e viver d’Ele, por Ele e para Ele e para os irmãos, para a vida toda. Tivesse eu mil vidas, e todas as daria ao meu Senhor para O servir e seguir.

 

Maria Emília Nunes Garcês, Missionária do Espírito Santo