Arquidiocese de Braga -

23 dezembro 2025

Opinião

O presépio escondido dos Congregados

O presépio escondido dos Congregados

 

A cidade de Braga apresenta um incomensurável rol de representações do Nascimento de Cristo. No tempo de Natal não faltam presépios estáticos, movimentados ou até representados ao vivo. Além destes, mais populares, subsistem interessantes representações artísticas do presépio, particularmente legadas durante o período barroco.

Apesar do nascimento de Cristo ter sido representado de formas magnificentes e destacadas no contexto artístico e devocional bracarense, nenhuma outra representação se revela tão surpreendente e desconcertante como o presépio da Basílica dos Congregados. Quase oculto no grandioso retábulo soaresco, onde se venera a padroeira do templo, este presépio escondido é uma das mais sublimes expressões do Natal bracarense.

O retábulo de Nossa Senhora das Dores é o mais destacado entre os retábulos que preenchem as capelas laterais da Basílica dos Congregados, sendo inteiramente revestido a talha dourada e apresentando o seu ático destacadamente saliente do arco em que se encontra embutido. Terá sido esta característica um dos fundamentos 

para a atribuição da sua autoria a André Ribeiro Soares da Silva, o mais destacado artista deste período.

Altar concebido em forma de relicário, contendo uma dezena de nichos para a colocação de imagens-relicário, além de alguns outros ostensórios incorporados no próprio retábulo, integra-se na linguagem do rococó tão bem ilustrada pelo artista ao qual tem sido atribuído o seu desenho. 

O seu mais peculiar destaque é o presépio que se incorpora na porta do sacrário e que será, porventura, a representação da natividade mais surpreendente da arte bracarense. Este retábulo, hoje dedicado a Nossa Senhora das Dores, terá sido executado sob outra evocação no ano de 1755, tal como sugere Robert Smith, a partir de um apontamento coevo de Manuel Silva Thadim: “Na Igreja da Congregaçam se poz de novo um retabolo na capella de S. Anna para santuário de relíquias e foi feito à custa do Pe. Rodrigo Pinheiro da mesma Congregaçam”.  Esta referência, não apenas nos remete para o ano exato em que o retábulo foi concebido, devidamente sublinhado naquele registo cronológico, como também dá nota da sua tipologia de altar-relicário - “santuário de relíquias” - que o distingue dos demais retábulos existentes no interior do templo, informando-nos ainda sobre o seu mentor: o padre Rodrigo Pinheiro, membro da Congregação do Oratório. 

Uma outra dúvida fica resolvida neste descritivo, com a alusão ao orago de Santa Ana, que se tornou na padroeira secundária da corporação, e cuja presença no conjunto escultórico da Sagrada Família, atualmente exposto na Sala da Irmandade, poderia ser confundida com Santa Isabel, dada a inclusão de uma representação infantil de São João Baptista. Esse conjunto escultórico, de traça rococó, corresponderá à primitiva representação do retábulo onde atualmente se aloja a imagem de Nossa Senhora das Dores, cuja Irmandade apenas surgiria em 1761, ou seja, seis anos depois da conceção daquele retábulo. 

No relato referente à instituição da Irmandade, transcrito no manuscrito n.º 162 do Arquivo Distrital de Braga, se faz clara referência ao lugar em que passou a estar sediada a Irmandade de Nossa Senhora das Dores, referindo-se que a imagem de Nossa Senhora das Dores ficaria integrada no “Altar do Santo Cristo, que é o primeiro colateral da parte do Evangelho”. Pelos critérios canónicos, o primeiro retábulo do lado do Evangelho, cor responde exatamente ao retábulo onde atualmente se venera a imagem do Sagrado Coração de Jesus, e onde esteve colocada, até recentemente, uma imagem de Cristo Crucificado. A localização do retábulo do Santo Cristo é também confirmada pelo Dicionário Geográfico, que foi publicado três anos antes da instituição da Irmandade de Nossa Senhora das Dores, no qual se refere a existência do altar do Santo Cristo no lado do Evangelho, enquanto, da parte da Epístola, se encontrava o “altar de Santa Ana, com as imagens de Nossa Senhora, São Joaquim, e São José com o menino nos braços”. 

A mudança da imagem de Nossa Senhora das Dores, desde a sua primitiva colocação para o retábulo oposto, ocorreria imediatamente após as grandes obras que decorreram na Basílica dos Congregados entre 1963 e 1966. 

O retábulo, atualmente devotado a Nossa Senhora das Dores, teve como sua devoção matricial a Sagrada Família, cuja vinculação iconográfica está imediatamente relacionada com a representação da porta do sacrário. Quando aparecer contraditória esta presença natalícia num retábulo devotado à Paixão de Cristo, convém compreender a sua origem e evocação fundacional. 

O surpreendente presépio do retábulo de Nossa Senhora das Dores dos Congregados encontra-se integrado num pequeno nicho oval, enquadrado na porta do sacrário, estando esculpido em cera policromada e apresentando uma minuciosa representação da adoração dos pastores. 

A lisura das figuras esculpidas, a luz forte que brota das alturas, onde pontificam três anjos entoando o “Gloria in excelsis Deo”, o cesto de ovos depositado aos pés do Menino pelos pastores, tudo completa um cenário inédito na arte barroca nacional, que merece ser conhecido por todos os bracarenses.

Outros presépios escondidos

A arte bracarense patenteia, de forma, por vezes, sublime, representações do nascimento de Jesus Cristo. Desde versões mais majestosas, como é o caso dos presépios da Irmandade de Santa Cruz, remetendo para a tipologia artística celebrizada pela oficina de Joaquim Machado de Castro no último quartel do século XVIII; passando pelos presépios expostos nos retábulos colaterais da Igreja de Nossa Senhora-a-Branca; os templos da cidade de Braga vão escondendo outras versões surpreendentes. Um dos conjuntos mais relevantes é a representação da Natividade e da Epifania presente no teto em caixotões da Igreja do antigo Convento do Salvador, integrando um conjunto de 40 telas, concebidas entre 1622 e 1623 numa oficina portuense onde pontificavam o pintor Domingos Lourenço Pardo, Manuel Machado de Sousa, Luís de Abreu, Manuel Lopes e Pantaleão Lopes; mas também não olvidemos a belíssima representação barroca do Nascimento de Cristo, que se encontra nos azulejos da capela-mor da Igreja do antigo Convento da Penha de França, pintados por Policarpo de Oliveira Bernardes, em 1727.