Arquidiocese de Braga -

17 julho 2014

VISITAS PASTORAIS DE FREI BARTOLOMEU: ASPECTOS ETNOGRÁFICOS

Fotografia

D. Frei Bartolomeu dos Mártires percorreu, em visita pastoral, as mais diversas e distantes regiões da extensa arquidiocese encontrando usos e costumes estranhos, a que teve de dar provimento numa perspetiva cristã.

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D. Frei Bartolomeu dos Mártires percorreu, em visita pastoral, as mais diversas e distantes regiões da extensa arquidiocese encontrando usos e costumes estranhos, a que teve de dar provimento numa perspetiva cristã.

O mais vulgar e geral era o dos casamentos clandestinos, de que não se encontra sinal nas visitações de 1560-61. Mas a sua extinção praticamente radical fez-se por decreto arecebispal de Setembro de 1564 após a aceitação nacional e a publicação dos decretos do concílio de Trento. Na sua sequência nos domingos de Outubro leu-se em quase todas as paróquias o dito decreto com o sumário da leitura redigido na secção dos casamentos do misto nº 1 do Registo Civil Paroquial. Em todo o caso D. Frei Bartolomeu atuou energicamente face a casamentos clandestinos realizados por, pelo menos, seis mulheres da vila de Guimarães com soldados estrangeiros, com consta da atas visitacionais das igrejas de São Paio e São Sebastião, de 1581. 

Um dos primeiros que detetou foi a tradição dos votos ou clamores - procissões penitenciais vindas de tempos antigos por promessa dos fregueses em ocasião de calamidade coletiva, como a peste e similares. Perante tal situação crítica podiam surgir as mais díspares reações: apegar-se com S. Sebastião ou outro santo a que tivessem muita devoção prometendo-lhe a ereção de uma capela ou a realização de uma procissão penitencial a certa igreja, capela ou santuário, a qual se repetiria todos os anos com a presença geral ou significativa dos fregueses. Estas procissões chamavam-se geralmente votos por causa da sua génese ou clamores porque, no desespero da vida, clamavam a intercessão do santo. 

Pois foi com uma multidão destes votos que D. Frei Bartolomeu se encontrou, tal como o seu antecessor D. Frei Baltasar Limpo. A solução a que recorreram os dois foi idêntica, ou melhor, o arcebispo dominicano seguiu a solução do seu antecessor carmelita. Logo em 1560 capitulou em Fermentões contra os abusos que neles se foram instalando com o transcurso das gerações e já quando se tinham perdido da memória colectiva as trágicas dificuldades outrora sentidas. Tinham-se instalado superstições e desordens, despesas desnecessárias e abusos de pouco serviço de Deus. 

O Arcebispo interveio energicamente capitulando: nos domingos e dias santos em que tinham de ouvir missa na sua igreja não se realizariam. Nos mais dias não as realizariam também quando a distância passasse de légua, pois dispensava-os, podendo fazê-las à roda da igreja e a qualquer ermida dentro dessa distância sob pena de mil réis; não dormiriam de noite nem comeriam nas igrejas aonde fossem nem à custa da confraria nem para isso fariam finta e, se tivessem dinheiro previsto ou destinado para isso, aplicava-o à fábrica da sua igreja; nunca iriam com essas procissões a outeiros e penedos, mas só a igrejas e ermidas onde se pudesse celebrar; nessas procissões diriam apenas a ladainha dos Santos sem clamarem; o cura acompanhá-los-ia dizendo-lhes a dita ladainha sob pena de $500 réis.

Repetiu o capítulo em 1564 com a diferença de poderem fazê-los aos domingos e dias santos, sendo a distância tão próxima que pudessem tornar a tempo de ouvir missa na sua igreja. Mas neste aparece um pormenor inteiramente novo: nesta freguesia encontrou o mau costume de, indo nas procissões de votos ou de acompanhamento dos defuntos, levarem fouces longas, lanças, dardos e bestas, com o que pareciam ir mais a montaria e coisas profanas que cumprir serviço de Deus e sua obrigação. Por esta razão, e até por sucederem entre eles brigas e diferenças, capitulou que desde aí nessas procissões não levassem as tais armas sob pena de $020 réis por cada vez para a cera dos fregueses. Repetiu-se em termos aproximados numa visitação de Meadela, de 1565.

Na freguesia de Ribalonga (concelho de Carrazeda de Ansiães) encontrou, na visita de 1565, costume aproximado nas enterrações dos defuntos: faziam comidas e ajuntamentos de gente sob o título de que era comida para os padres que vinham de fora, nas quais comiam muitos leigos de modo que, sendo dia de enterro, parecia mais boda. Mais ainda: nesses ajuntamentos, por haver diversidade de sexos, faziam-se muitas “disoluções e profanidades, praticas, resos, jogos, passatempos” não decentes ao decoro eclesiástico nem ao tempo, conjunção e casa do defunto. 

A sua intervenção foi imediata: daí em diante toda a clerezia, sendo possível, não comeria nesses enterramentos recebendo antes a respetiva esmola para ajuda do seu sustento e indo comer a suas casas. Se não pudesse ser pela distância e qualidade da terra e lugar, de maneira nenhuma comeriam na casa do defunto mas sim na do abade ou cura, portando-se aí com a modéstia correspondente ao seu estado, sob pena de quem o contrário fizesse ser preso e suspenso por um mês pago do aljube. Capítulo relacionado com o geral a proibir os agasalhos nos dias dos funerais, mesmo se deixados por testamento, em razão de os herdeiros se excederem tanto que chegavam a matar boi ou vaca, acabando por gastar a terça do defunto e até mais. Proibiu-os em princípio e, realizando-se, só dariam pão e vinho, e fruta se a houvesse, e nunca em casa do falecido.   

Outros costumes de Fermentões

Nesta freguesia de Fermentões havia outros costumes interessantes na vida da sua confraria (penso que do Subsino): em 1564 das suas condenações pelo juiz os confrades costumavam apelar para outra de S. João de Ponte. Por causa delas iam à desta freguesia aos domingos e dias de obrigação antes de ouvir missa, com o que não só se inquietavam como iam desinquietar os outros confrades de S. João; recrescia daí que uns e outros, às vezes, não ouviam missa nos dias de preceito. Para remediar tal mal prescreveu-lhes que a partir dessa data não fossem a S. João de Ponte antes de ouvir missa sob pena de $020 réis por cada vez e o cura notificaria essa proibição ao de Ponte: mandaria aos seus fregueses que nesses dias os não ouvissem antes da missa.

Outra singularidade nesta freguesia na visitação de 1578: os confrades da confraria de Subsino, quando se ajuntavam para comunicarem alguma informação útil, faziam-no aos domingos e dias santos mandando chamar os irmãos que não se achassem presentes; se não comparecessem, condenavam-nos num almude de vinho para beberem no adro da igreja, de que acontecia haver desordens. A solução bartolomeana é desconhecida por falta da parte final do capítulo, só se sabendo que proibiu que os tais chamamentos se fizessem aos domingos e dias santos de guarda, a reservar para o culto divino.

Especificidade de São Paio da vila de Guimarães

Outra freguesia com alguns costumes insólitos é a de São Paio da vila de Guimarães. Em 1573 foi capitulado que nenhuma mulher estivesse à missa com chapéu na cabeça, por ser desonesto, sob pena de ser lançada fora da igreja pelo cura. Na visitação de 1578 encontrou o uso esquisito das posturas no rosto pelas moças solteiras, de que resultou um capítulo a mandar ao cura as admoestasse geralmente a que se emendassem sob pena de serem evitadas. Na ata do ano seguinte explicou o essencial dessas posturas: o cura, sob pena de ser castigado com rigor, não daria a comunhão às mulheres que se apresentassem com o rosto coberto pelo perigo daí resultante. Duas das atas de 1581, desta freguesia e da de São Sebastião, vêm revelar a inventora desse esquisito adorno: o cura sob pena de excomunhão admoestaria em segredo “a Madanella a crementa” para que não fizesse posturas para o rosto nem as vendesse sob pena de dez cruzados.

Estes alguns dos usos com que se deparou o Arcebispo Santo e que reformou segundo o uso do tempo e a sua mentalidade.

P. Franklim Neiva Soares

(In DM 17 de Junho de 2014)