Arquidiocese de Braga -

18 novembro 2012

CULTIVADORES DE SABEDORIA

Default Image
Fotografia

Homilia na Eucaristia da Abertura Solene do Ano Lectivo dos Seminários Arquidiocesanos.

\n

Cultivadores de Sabedoria

 

“Os sábios resplandecerão como luz do firmamento

e os que tiverem ensinando a muitos o caminho da justiça

brilharão como estrelas por toda a eternidade” (Dan 12, 3)

 

As páginas da Sagrada Escritura aludem com frequência a períodos sombrios. O povo sofre carências essenciais e a vida complica-se. Surgem protestos e revoltas reclamando uma efetiva intervenção dum libertador. O Antigo Testamento aponta para a chegada do Messias e o Novo apresenta a abertura de tempos novos.

Como comunidade de crentes estamos neste tempo que nos toca viver. Também o futuro nos ameaça e as soluções não surgem. Todos reclamam e não se ousa convergir no essencial que sabemos que é de dimensão económica mas que tem uma razão mais profunda. Houve caminhos percorridos que não deveriam ter sido e importa reequacionar os verdadeiros parâmetros da vida.

                A Igreja tem o seu papel. Como Igreja do Concílio Vaticano II – cuja revisão de reflexão nos acompanhará durante este ano – mas sobretudo no que concerne aos sacerdotes. Teremos de nos convencer, não sendo auto-convencidos com complexos de superioridade, que temos um papel importante nos tempos que corre. Não se trata de autoridade nem muito menos autoritarismo. O profeta Daniel é explicito quando afirma “Os sábios resplandecerão como luz do firmamento e os que tiverem ensinando a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade” (Dan 12, 3 – 1ª leitura). Aqui se sugere o itinerário a percorrer e que os Seminaristas devem cultivar.

Quando muitos olham para a frieza duma intelectualidade que apresenta dados e elementos abstractos, apenas se adiam as soluções. A comunhão da razão com a fé gera a sabedoria que está para além de meros conhecimentos humanos. O papel da Igreja passa por esta sabedoria experimentada que pode não ter lugar nos areópagos das ideias modernas mas resplandece como luz no firmamento que a todos interpelará. O confronto com outros pensamentos, sendo salutares como verificamos neste Átrio dos Gentios, exige uma originalidade que nasce duma profunda amizade com Cristo através dum estar com Ele, em experiência de fé autêntica, de modo a que a Sua Palavra transpareça nos comportamentos quotidianos.

A vida do Seminário deveria ser esta escola, onde, aliada à profundidade intelectual, esta dimensão sapiencial se torna convicção. Com esta surgiria a alegria de ser sacerdote hoje e, com novos padres não só na idade, o Evangelho brilharia no mundo. Sem este deixar-se possuir pela luz de Cristo a nossa mensagem será sempre mera palavra e nunca sabedoria.

Depois deste “trabalho” que o Espírito faz, teremos de nos apresentar ao mundo não com a doutrina dos Mestres mas com a transparência dos testemunhos numa atitude de quem ensina, ou seja, tem algo de diferente que coincide com o conceito bíblico de justiça, ou seja, dar a Deus o que é de Deus e aos outros o que é dos outros. É um dar o que se tem e é, na gratuidade de quem recebeu da graça e na generosidade de quem imita o Mestre que se deu na entrega da vida. Não foi um gesto momentâneo no alto do Calvário. Os caminhos de Cristo foram de contínua doação em atitude livre e, tantas vezes, contrariando quem pensava egoisticamente ou não quereria que fizesse o bem.

O ensino passa por muitas iniciativas. O Ano da Fé deve conduzir-nos a reconhecer a vocação de todos à santidade. A santidade é de hoje e nunca a devemos colocar somente na pregação. Se é de hoje, a Arquidiocese necessita de penetrar nos tesouros do seu Próprio dos Santos que são tesouros a descobrir conhecendo o seu entusiasmo em dar a conhecer Cristo no seu tempo e renovar a Igreja para uma presença na sociedade. Se devemos conhecer a história e os escritos dos grandes Santos (S. Martinho de Dume, S. Frutuoso, S. Geraldo) não podemos esquecer a nossa devoção aos Beatos (Bartolomeu dos Mártires, Alexandrina de Balasar) assim como aqueles cujo processo está introduzido (P.e Abílio G. Correia, Fr. Bernardo de Vasconcelos, D. António Barroso). São homens de ontem e de hoje. Ousaram acreditar no Amor de Deus e quiseram permitir que a Sua vida falasse e continue a falar. Como referia Daniel são “estrelas a brilhar por toda a eternidade”.

O Ano da Fé pode levar-nos a muitas iniciativas. Tudo pode ser muito pouco se não deixar marcas duma Igreja em permanente tensão à santidade. Se ela existisse muitos problemas, internos e externos, deixariam de existir e, ao mesmo tempo, a Igreja daria ao mundo, de Portugal e da Europa, o que lhe falta: uma alma.

 

+ Jorge Ortiga, A. P.

18 de Novembro de 2012, Seminário Conciliar de Braga.