Arquidiocese de Braga -

24 março 2013

UMA JUVENTUDE INCONFORMADA

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Homilia no Domingo de Ramos, Dia Mundial da Juventude.

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Uma juventude inconformada

Homilia na eucaristia de Domingo de Ramos

1. Experiência humana

Nos últimos tempos, parece que a esperança tem dado lugar ao desânimo na agenda de muitos jovens. Os números são bastante claros: Portugal atingiu quase um milhão de desempregados e desses, 40% são jovens, revelam os dados do Governo. Contudo, o Papa João Paulo II considerava, com razão, que “o desemprego do homem deve ser tratado como uma tragédia e não como estatística económica”.

É um facto que as coisas estão más, mas custa ver tanta gente nova a desistir de lutar por um futuro melhor. Recuperando o título da mensagem que propus para o tempo da Quaresma, numa sociedade tão cansada de promessas políticas, repleta de palavras gastas e esgotada de teorias utópicas, são gestos alternativos como os que o Papa Francisco está a operar, que conferem toda a esperança, tornando-se numa referência social.

2. Liturgia da Palavra

Neste sentido, o evangelho de hoje relata-nos o momento final d’Aquele que foi, e continua a ser, a maior referência da humanidade. Perante o beijo traiçoeiro de Judas, a irreverência dos guardas, o gesto insensato de Pedro, as mentiras dos fariseus, as perguntas de Pilatos, a gritaria da multidão, a humilhação dos soldados Romanos, o insulto dos espectadores… Jesus não reage, não luta, não protesta e não desmente: apenas remete-se ao silêncio e cumpre a sua missão, já prevista pelo profeta Isaías, na primeira leitura! [1]

Diante deste cenário, concluímos que só um amor radical pela humanidade poderia levar Jesus a aceitar até ao fim esta condenação. [2] Acolhendo “com afecto e ternura a humanidade inteira” (Papa Francisco), teremos de fazer com que da Cruz emanem quatro raios luminosos que operarem quatro reviravoltas conceptuais: uma nova sociedade, na qual as pessoas passam da periferia para o centro de decisão; um nova identidade humana, privilegiando os mais fracos, os mais pobres e os mais pequeninos; uma nova religião, que prefere a caridade à lei, para reconstruir a Igreja; e uma nova identidade divina, sintetizada na palavra Amor. [3]

Na verdade, esta palavra acaba por desfazer o axioma do filósofo Descartes, quando afirma “penso, logo existo”, por um novo axioma: “(Porque) Deus ama-nos, logo existo”.

3. Ano da Fé

Em ano da fé, mais do que acreditar em Deus é preciso saber em qual Deus acreditamos e desejar a Sua presença. Por isso, ao longo das celebrações desta Semana Santa, apresentarei alguns rostos de fé da nossa Arquidiocese, que ousaram desafiar a sociedade com uma fé fervorosa. E dado que hoje celebramos o Dia Mundial da Juventude, gostaria de apresentar a história de um jovem arquidiocesano que se tornou numa referência para tantos jovens.

Depois de ingressar na Faculdade de Direito na Universidade de Coimbra, como estudante promissor, foi dirigente do CADC, introduzindo o ideal cristão no mundo da cultura. Uma vez seduzido por Cristo, ele ingressou na ordem beneditina, mas por causa de uma doença grave, não chegou a concretizar o sonho da ordenação sacerdotal, passando por um doloroso calvário durante seis anos, vindo a falecer ainda antes de completar 30 anos.

A propósito, quero recordar as suas palavras, num discurso no Congresso Eucarístico de 1924: “porque o homem sente necessidade dum ideal, de alguma coisa que o faça sair dele e o leve além; porque a Terra é um exílio, onde o homem vive o doce amargo da saudade de Deus (…), procuremos despertar em nós o desejo da eucaristia, que fortalece a nossa união com Deus!” [4]

4. Reflexão Teológica

Celebrar a fé cristã é reconhecer, assim, a identidade e a vitalidade do nosso Deus, que se revelou na pessoa de Jesus. Sabemos que ser cristão nos dias de hoje é algo de perigoso e incómodo para muita gente! “Há muita coisa que puxa para trás” (Papa Francisco). Porém, diante de Deus e da sua proposta de felicidade não podemos ficar neutros: ou recusamos ou aceitamos a sua proposta!

No plano da evangelização, os jovens, para se esquivarem, frequentemente caem na tentação de usarem o argumento do profeta Jeremias, quando diz: “Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, ainda sou muito novo» (Jr 1,6). Porém, o Papa Bento XVI, na mensagem para este Dia Mundial da Juventude, provoca-os, afirmando: “Quando vos sentirdes inadequados, incapazes e frágeis para anunciar e testemunhar a fé, não tenhais medo. A evangelização não é uma iniciativa nossa, nem depende primariamente dos nossos talentos, mas é uma resposta confiante e obediente à chamada de Deus, e portanto não se baseia sobre a nossa força, mas na d’Ele.” [5]

O nobel da literatura, José Ortega Y Gasset, aponta-nos o grande desafio da actual juventude, quando considera que “existir como desempregado é uma negação do direito à vida pior que a morte!” Se o desemprego é sinónimo de morte, confiemos então n’Aquele que gerou a plenitude da vida!

Para isso, peço aos jovens, neste tempo particular da história da Igreja, um compromisso para que a nossa igreja arquidiocesana nunca manifeste uma imagem parada, morfa ou morta, pois, como afirma o Papa Francisco, “esta vida é um caminho e quando paramos, as coisas nunca correm bem”.

5. Desafios Pastorais

Para terminar, é um facto que a actual juventude gosta de ser diferente, de mostrar independência e de impor o seu estilo. Neste sentido, caros jovens, permiti este desafio: o cristianismo, mais do que uma religião, apresenta-se precisamente como uma questão de estilo, como refere o jesuíta Christoph Theobald. E essa é a melhor forma de evangelizar, porque uma vida autenticamente cristã não deixa ninguém indiferente.

Não se trata aqui de um estilo qualquer, mas de um estilo de vida que se funda na autobiografia de Jesus; um estilo que reconfigura o nosso plano histórico; um estilo que possibilita o acesso ao transcendente; um estilo que potencia a qualidade da vida humana; um estilo que transforma o nosso poder em gestos de caridade; e um estilo de vida que nos ensina a gastar a vida somente a fazer o bem!

E como refere a música de uma célebre banda portuguesa, que marcou a juventude dos anos 90: “saber amar, é saber deixar alguém te amar!” Portanto, caros jovens: como Frei Bernardo de Vasconcelos, aceitai o “ideal cristão” e não façais da vossa fé um turismo religioso! Deixai que Deus vos contagie com o seu amor, e partilhai esse mesmo amor através daqueles gestos alternativos que o Papa Francisco já nos ensinou. E lembrem-se: é proibido desistir! [6]

+ Jorge Ortiga, A.P.

Sé Catedral de Braga, 24 de Março de 2013.



[1] Cf. D. Jorge Ortiga, O código da salvação. Homilia na Eucaristia de Domingo de Ramos – 2013.

[2] Cf. Bento XVI, Deus Caritas est, 14.

[3] Fernando Armellini, O Banquete da Palavra. Festas, 249-252.

[4] Bernardo de Vasconcelos, Do ideal cristão, 48.

[5] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Juventude – 2013, 6.

[6] Cf. D. Jorge Ortiga, Proibido Desistir! Mensagem para o novo ano de 2013.