Arquidiocese de Braga -

7 julho 2013

O COMPOSITOR DO MISTÉRIO

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Mensagem no âmbito dos 30 anos de falecimento do músico Cón. Doutor Manuel Faria.

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Ao Músico Cónego Doutor Manuel Faria

Caros amigos e amigas,

recordar a pessoa do Cón. Doutor Manuel Faria mereceria a presença física do Arcebispo Primaz de Braga, mas a colegialidade eclesial, evocada pela Lumen Gentium, exige a minha presença neste dia num outro local. Mesmo assim, não poderia deixar de escrever uma simples mensagem.

1. Ao lado da amizade que me dedicou, a obra do Cón. Manuel Faria é um marco de relevo na história da Arquidiocese e o seu legado continua como um autêntico luzeiro para que, sacerdotes e leigos, desenvolvam os talentos recebidos de Deus, colocando-os com paixão e sensibilidade ao serviço da comunidade cristã.

Se estamos a celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II, gostaria de lembrar a mensagem que este dirigiu aos artistas, quando afirma: “(Vós) tendes ajudado a Igreja a traduzir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a tornar perceptível o mundo invisível.” [1]

2. Por incrível que pareça, o maior filósofo ateísta da modernidade, Friedrich Nietzsche, afirmou a certa altura que “sem a música, a vida seria um erro”. Ora, socorrendo-me dum pensamento de Sto. Inácio de Loiola, na minha homilia da Peregrinação Arquidiocesana à Senhora do Sameiro no ano passado, expliquei como o mistério da Santíssima Trindade pode ser compreensível, em certa instância, precisamente através de um acorde musical.

Pois, “tal como um acorde na música é composto exclusivamente só por 3 notas, senão já não é um acorde, a identidade de Deus é semelhante a isso, portanto: um só Deus (essência), que é composto por três notas diferente (o Pai, o Filho e o Espírito Santo), mas que estão unidas entre si numa relação de puro amor e numa comunhão perfeita que simultaneamente respeita a diferença pessoal.” [2]

Logo, se para Nietzsche a vida sem a música é um erro, é graças a essa mesma música que podemos fundamentar/conhecer a identidade do Deus que gerou a vida humana, e n’O qual nós acreditamos.

3. Assim sendo, o património musical do Cón. Manuel Faria torna-se num veículo válido para que o mistério de Deus seja amado, compreendido e anunciado neste Ano da Fé.

Se hoje nos unirmos à sua memória, é para que cada cristão, e particularmente os sacerdotes, se deixem enamorar por esta arte, colocando ao serviço da comunidade os dons que Deus nos concedeu. E a arte, nas suas mais variadas formas, nunca pode ser colocada nos manuais da história nem na contemplação passiva dos diferentes sentidos humanos. A Igreja deve, por isso, continuar a marcar a sua presença neste areópago artístico.

4. Como tal, desta homenagem ao Cón. Manuel Faria, gostaria de elencar três desafios pastorais à Igreja Bracarense.

Uma vez que iniciaremos em breve o Ano Litúrgico, a fé celebrada nas nossas comunidades deve munir-se de uma boa qualidade musical. Não queiramos seguir o sensacionalismo, o facilitismo ou o proselitismo musical. Obviamente que há muitos modos de cantar a Deus em diversos contextos, mas na liturgia, nomeadamente na celebração do sacramento da eucaristia, a música merece ser diferente.

A Igreja não nos exige coros profissionais com orquestras requintadas, que muitas vezes levam-nos a cair num ateísmo musical, porque em vez de comtemplarmos Deus, estamos a comtemplar a técnica artista dos músicos e cantores. A Igreja pede-nos apenas qualidade, sobriedade e simplicidade no canto, algo que com trabalho, dedicação, responsabilidade e formação cristã se consegue, tal como nos ensina o célebre filme “Os Coristas”.

Neste sentido, um segundo desafio pastoral remete para a criação da Escola de Ministérios a iniciar também no próximo ano na nossa Arquidiocese. Esta possibilitará, neste caso, que muitos leigos se formem na música litúrgica e, por outro lado, que muitos músicos profissionais adquiram esta sensibilidade litúrgica.

Deste modo, o último desafio pastoral seria no sentido de incentivar o estudo da música litúrgica e de agradecer o trabalho dos grupos corais paroquiais com a atribuição de dois prémios: o prémio Cón. Manuel Faria e o prémio Pe. Joaquim Santos. Certamente que os moldes destes prémios ainda serão melhor definidos, mas gostaria que um desses prémios fosse entregue ao melhor aluno de música na Escola de Ministérios e o outro entregue ao melhor grupo coral, num hipotético Encontro Arquidiocesano de Grupos Corais a instituir-se bi-anualmente.

5. Para terminar, sem dúvida que um dos cânticos mais conhecidos do Cón. Manuel Faria é o “Senhora nós vos louvamos”, cantado todos os domingos no Santuário de Fátima, o qual inicia a famosa procissão do Adeus.

Por isso, peço a Nossa Senhora, a mestrina da nossa fé, que inspire os nossos jovens seminaristas, os nossos grupos corais e os nossos músicos para que, a exemplo deste músico bracarense, se deixem envolver pela nostalgia dos acordes musicais, ajudando assim os fiéis a comtemplar o mistério de Deus.

E se Giovanni Pierluigi da Palestrina foi considerado o “Príncipe da Música”, gostaria que evocássemos, a partir de hoje, o Cón. Manuel Faria como o “Compositor do Mistério”.

+ Jorge Ortiga, A. P.

Paço Episcopal de Braga, 6 de Julho de 2013.



[1] Mensagem do Papa Paulo VI aos Artistas, na conclusão do Concílio Vaticano II, 8 de Dezembro de 1965.

[2] D. Jorge Ortiga, O acorde de Deus. Peregrinação Arquidiocesana à Senhora do Sameiro - 2012, 1.