Arquidiocese de Braga -

2 outubro 2016

A alegria do amor - 22

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Carlos Nuno Salgado Vaz

As circunstâncias atenuantes no discernimento pastoral.

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Ninguém como Francisco quer a verdade na análise das situações, no caso concreto, dos casos de uniões matrimoniais ditas irregulares. Iremos devagar, decalcando com certa liberdade as afirmações do Papa nos números 301 a 303, pois que a pressa é inimiga da indispensável reflexão, sem a qual não pode haver nem há verdadeiro discernimento, quer pessoal, quer pastoral.

Condicionamentos e circunstâncias atenuantes

Há uma sólida reflexão por parte da Igreja sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes, pelo que não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada «irregular» vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante. E esta é uma afirmação fundamental para que nunca nos precipitemos num juízo que, à partida, culpabiliza, em vez de, serenamente, ajudar as pessoas a discernir com verdade o caso pessoal.

Uma coisa é conhecer bem a norma, e outra é compreender «os valores inerentes» a tal norma, no caso concreto, uma segunda união, sem declaração de nulidade do primeiro casamento.

A pessoa pode encontrar-se em situações concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem causar uma nova culpa. E a corroborar, cita vários padres sinodais que afirmaram: «pode haver fatores que limitam a capacidade de decisão».

São Tomás de Aquino

Convoca também em apoio desta afirmação as palavras do grande e insuspeito São Tomás de Aquino ao reconhecer que alguém pode ter a graça e a caridade, mas é incapaz de exercitar bem algumas virtudes, pelo que, embora possua todas as virtudes morais infusas, não manifesta com clareza a existência de algumas delas, porque a prática exterior dessa virtude está dificultada.

Cita uma passagem da obra magna do Doutor Angélico: «Diz-se que alguns Santos não têm certas virtudes, enquanto experimentam dificuldades em pô-las em ato, embora tenham os hábitos de todas as virtudes». Traduzido para uma linguagem mais acessível, quer isto dizer que nem sempre uma contradição entre a letra da norma e a vida concreta da pessoa é realmente contradição insanável, mas apenas uma contradição aparente.

Catecismo da Igreja Católica

A argumentação é reforçada com recurso ao Catecismo da Igreja Católica que, de maneira categórica, afirma: «A imputabilidade e responsabilidade de um ato podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros fatores psíquicos ou sociais».

Atenuam também a responsabilidade moral: «a imaturidade afetiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais».

Pelo que: «um juízo negativo sobre uma situação objetiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou culpabilidade da pessoa envolvida».  E como referiram bastantes padres sinodais: «as pessoas encontram dificuldades para agir de maneira diferente».

Daí que «o discernimento pastoral, embora tendo em conta a consciência retamente formada das pessoas, deve ocupar-se destas situações. As próprias consequências dos atos praticados não são necessariamente as mesmas em todas as condições» (números 301 e 302).

Consciência pessoal

«A consciência das pessoas deve ser melhor incorporada na práxis da Igreja em algumas situações que não realizam objetivamente a nossa conceção do matrimónio».

Dando por adquirido que sempre devemos lutar e incentivar o amadurecimento duma consciência esclarecida e acompanhada pelo discernimento responsável e sério do pastor, devemos também propor uma confiança cada vez maior na graça, assente na sinceridade e honestidade da generosidade da resposta que se pode oferecer a Deus.

E tudo fazer para descobrir, com segurança moral, que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir no meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente o ideal objetivo. Mas é um discernimento dinâmico que deve permanecer aberto a novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa (303).