Arquidiocese de Braga -
3 fevereiro 2021
As freiras: na vanguarda da Igreja
DACS
Artigo de Ritanna Armeni, publicado em Vida Nueva Digital.
Para encontrar a freira moderna, descobrir como vive, ama e reza, temos que fazer um trabalho de “limpeza”, ou seja, esquecer as imagens antigas e deixar de lado os estereótipos que nos foram transmitidos. Quando se trata de mulheres e homens consagrados, é difícil fazer prevalecer a realidade. É mais fácil agarrarmo-nos ao que a literatura nos diz, aceitar a história escrita por homens e entregarmo-nos acriticamente às imagens engraçadas ou grotescas de freiras retratadas no cinema ou na televisão.
Ainda hoje a figura da freira de Monza sobrevive na imaginação, um trágico exemplo de coerção à vida monástica vivida por muitas jovens de famílias que não podiam proporcionar-lhes um dote adequado. Mulheres frágeis e escravizadas. Forçadas.
Apenas vítimas?
Tentou-se construir uma imagem mais precisa e coerente com a realidade. A televisão alemã mostrou a irmã Lotte em “Pelo Amor do Céu”; a italiana com a irmã Ângela em “Que Deus nos ajude”. Ambas tentativas generosas, mas débeis, que acabaram a concentrar-se na comédia.
Temos também o filme “Sister Act”, que ilustra o grotesco, expondo um imaginário que continua a ser o predominante. Nele, o esplendor das figuras do passado, de Clara, por exemplo, ou Hildegarda de Bingen, adquirem um papel residual, marginal frente ao estereótipo da vitimização.
Vamos começar com o passado. Foi realmente assim? Era obrigatório escolher um convento? Ou aquela semente de liberdade que ainda hoje vive no mundo das religiosas, a sua capacidade de discernimento, esteve presente mesmo nos momentos mais sombrios? Não foram as mulheres que seguiram Santa Clara e que obtiveram o voto de pobreza do Papa as donas das suas acções? E as outras mulheres anónimas da Idade Média e dos séculos seguintes foram para o convento só porque alguém as forçou?
A história escrita por homens
Se a história não tivesse sido escrita quase exclusivamente pelos homens, se eles tivessem sido capazes de nos transmitir o que pensavam aquelas mulheres, mesmo naquela época distante, teríamos encontrado o germe da liberdade em muitas vocações. Muitas teriam dito que preferiam o convento, a companhia de outras mulheres, a castidade, uma vida de fé e oração a um mundo hostil que, na melhor das hipóteses, as tornaria escravas dos seus maridos.
Mulheres que escolheram viver em oração ao invés de se submeterem às regras de homens que as consideravam pouco mais do que servas. Elas teriam alegado que a fé era a sua liberdade e o convento uma oportunidade para se emanciparem da opressão e da violência da sociedade.
À medida que nos aproximamos dos tempos mais recentes, a história da Irmã Francisca Javier Cabrini não é surpreendente? Vinte e oito vezes vai e vem para a Europa pelo Atlântico em barcos precários e depois ainda faz a travessia dos Andes e por países desconhecidos!
Com o seu grupo de sete irmãs, as Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, arrecadaram fundos, construíram escolas, jardins de infância, convenceram governos e melhoraram a vida de milhares de imigrantes. E tudo isso numa época em que as mulheres na Itália não eram sequer consideradas cidadãs e não tinham o direito de possuir património.
As primeiras irmãs
Vamos tentar ver a realidade com um olhar atento e livre de preconceitos. Encontraremos algumas surpresas, algumas muito grandes, como ver nos jornais nomes de religiosas importantes, "as primeiras irmãs", assim poderíamos defini-las, na linha da frente, que não só estão bem presentes no mundo, mas que aspiram a mudá-lo.
Norma Pimentel foi incluída na revista Time entre as 100 pessoas mais influentes do mundo. Organiza ajuda para migrantes que tentam entrar nos Estados Unidos pela fronteira. Alessandra Smerilli é Conselheira de Estado do Vaticano. Giuliana Galli foi vice-presidente da Compagnia di San Paolo, uma das fundações bancárias europeias mais importantes. É um facto que em todos os sectores da sociedade existem religiosas que ocupam cargos importantes, que trabalham e adquirem papéis de destaque nas áreas da medicina, direito, estudos sociais e saúde pública. Elas são contabilistas e advogadas. Engenheiras e arquitectas. Eles entram, e não na ponta dos pés, em espaços que parecem estranhos ao mundo da meditação e da oração. Há também jornalistas, especialistas em marketing e outras que usam e dominam a tecnologia da informação, bem como religiosas comprometidas com o meio ambiente.
Keller previu a Internet
Sim, mesmo neste campo elas geralmente estão na vanguarda. Começando pela Irmã Mary Keller, que ajudou a desenvolver o Basic – a linguagem de programação –, ela previu a chegada da Internet e apoiou, quando ainda não estavam amplamente difundidas, a importância das ferramentas de TI e o seu possível impacto positivo na sociedade e na educação dos jovens.
Nascida em 1913 em Ohio, foi a primeira pessoa a fazer doutoramento em Ciências da Computação nos Estados Unidos em 1965, uma verdadeira pioneira. Keller argumentou que os computadores podem tornar-se instrumentos para exercitar as virtudes cristãs, começando pela paciência e humildade.
Agora, existem tantas! Ao lado delas, estão as freiras que continuam a dedicar-se aos ofícios tradicionais dos conventos, como jardinagem, costura ou bordados. É preciso perguntar-se também: são irmãs antiquadas ou modernas num mundo que, para não desabar, precisa de novos modelos de trabalho e progresso? De um regresso ao amor pela terra e pelos seus bens?
Os jovens, – e não são poucos –, que hoje se preocupam com o destino do planeta e desejam preservar os seus recursos, que preferem voltar à terra e ao trabalho manual, encontram preciosos guias nas humildes monjas dos mosteiros.
A opção pelo claustro
Entre as novas freiras há aquelas que preferem o claustro. E isso pode parecer uma contradição com a forte presença no mundo, a excelência de alguns cargos ou o papel de liderança em profissões até há pouco tempo apenas laicas. Por que razão, muitos perguntam-se, essas jovens preferem fechar-se em oração, num relacionamento íntimo e exclusivo com Deus?
É uma contradição se apenas olharmos para as freiras com umas “lentes antigas”. Então, só se encontrará na origem da clausura e na eleição do isolamento uma ruptura com o mundo, ou um medo daquilo que está para além do convento. Não é assim. Basta ler as suas entrevistas, as poucas palavras que sentiram necessidade de dizer, para perceber que o claustro é o lugar onde a ausência de ruído permite uma relação mais verdadeira com o mundo.
“O Senhor chamou-me.” “Entendi que a minha vida precisava de Jesus”. “A Igreja é uma mãe, a minha mãe, e só nela sinto calor e plenitude”. “Procurava liberdade e graça, encontrei-as no convento com as outras irmãs”. “Em determinado ponto da minha vida, percebi que precisava de abrir mão de tudo para conseguir tudo”. “Se eu tivesse que explicar a vocação a alguém que não a tem, diria que é semelhante a um estado de paixão, quando o outro é tudo para ti e tu sentes que a tua vida não tem sentido sem essa pessoa. Para mim, Jesus é isso”.
Também atrás das grades é possível comunicar. Aconteceu durante o confinamento, quando chegou dos conventos enclausurados um reconfortante WhatsApp, um convite a fazer do silêncio imposto um novo momento de relacionamento com os outros e de reflexão, longe de qualquer distracção.
As tecnologias de informação das mulheres afastadas pelas grades do convento tornaram-se um instrumento de oração pelos outros e com os outros, um meio de comunicação entre homens, mulheres e Deus. A oração – a Irmã Mary Keller estava certa – também pode ser transmitida pela Internet e pode ser alimentada pelo Instagram, WhatsApp ou Twitter.
O incompreensível
As freiras hoje actuam no mundo e com as ferramentas do mundo, mas há um momento de diálogo com uma freira, mesmo uma “moderna”, em que é preciso aceitar o incompreensível. Acontece quando falamos em vocação. Quando e por que a vocação aconteceu? O que sentiram? Qual foi a prova de que o chamamento estava correcto? Quando tiveram a certeza dos seus caminhos? A escolha foi resultado da meditação, de um individual trabalho árduo, ou aconteceu de repente, como a queda de São Paulo do cavalo? As palavras são difíceis de encontrar. E difíceis de entender. Não só para quem faz as perguntas, mas também para quem elas surgiram.