DACS com Crux | Fotografias: ABC News / Huffington Post / DR | 6 Set 2016
Durante a canonização de Madre Teresa, o Papa Francisco lembrou uma religiosa assassinada no Haiti, Isabel Sola Matas. Mas quem foi, afinal, esta mulher? O DACS conta-lhe a história da mulher que não desistiu de ninguém, mesmo quando tudo parecia perdido.
Isabel Sola Matas, de 51 anos, morreu quando tentava angariar fundos para uma nova escola no Haiti

Isabel Sola Matas morreu a 02 de Setembro, em Port-au-Prince, Haiti, brutalmente assassinada com dois tiros na barriga enquanto conduzia. Os seus assassinos ainda não são conhecidos, sabe-se apenas que a mataram por um “punhado de dólares”.

De nacionalidade espanhola, nasceu em Barcelona e morava no país desde 2008. Chegou ao Haiti dois anos antes da ilha ter sido atingida por um terramoto de magnitude 7 na escala de Richter. Considerado como uma das piores catástrofes do mundo, é impossível identificar com exactidão todas as suas consequências. Uma coisa, pelo menos, sabe-se: cerca de 200.000 pessoas morreram.

Apesar de o Haiti ter ficado devastado, “Isa” – como era tratada por amigos e familiares – não conseguia sequer imaginar viver em qualquer outro lugar. Foi o irmão da religiosa que disse isso mesmo ao Crux.

“A única coisa que lhe importava era servir os outros. Ser útil aos outros, era isso que ela acreditava mesmo ser importante. Servir outros que não se conseguiam ajudar a eles mesmos”, explicou Javier Sola Mata.

De acordo com ele, só assim “Isa” achava que a sua vida valeria a pena, “enraizada no serviço” aos outros.

Isabel não ganhou um Prémio Nobel da Paz e dificilmente virá a ser alvo de campanhas a favor da sua proclamação como mártir, apesar de ter dado a sua vida para “servir os esquecidos, nos quais via o rosto de Deus”. Ainda assim, quem a conhece diz não ter dúvidas da sua presença ao lado de Madre Teresa, no passado Domingo, quando o Papa homenageou as duas perante uma Praça de São Pedro repleta de fiéis.

A escola onde trabalhava Isabel há quase dois anos quando ocorreu o terramoto no Haiti tornou-se um cemitério. Nos dias seguintes, a missionária teve que colocar os seus conhecimentos de enfermagem em prática: ela própria amputou membros dos feridos, dias e dias a fio, passando por fome e sede suficientes para deitar qualquer um abaixo.

“Gostaria de lembrar aqueles que passam o seu tempo a servir os nossos irmãos e irmãs em ambientes difíceis ou arriscados. Rezemos especialmente pela irmã missionária espanhola, Isabel, que foi morta há dois dias na capital do Haiti”, disse Francisco na altura, relembrando o trabalho silencioso – mas indispensável – realizado por religiosas de todo o mundo, nos mais diversos ambientes.

José Beltran, Director da revista espanhola “Vida Nueva”, foi o último jornalista a falar com Isabel, há cerca de um ano. Define-a como uma “mulher inquieta”.

“Era difícil «controlá-la» quando ela já tinha decido alguma coisa”, afirmou Beltran. “Era alguém capaz de abrir um projecto, trabalhar com a comunidade local para ser capaz de passá-lo para outras mãos, ajudar a torná-lo independente, e seguir para a próxima coisa importante a fazer”, explicou.

 


Deus nunca se ausenta, mesmo na descrença

Isabel Sola Matas entrou para a Congregação das Religiosas de Jesus e Maria quando tinha 19 anos. O seu sonho era ser missionária em África, sonho que viu tornar-se realidade ao trabalhar na Guiné Equatorial durante 15 anos, dirigindo uma escola para alunos carenciados.

Em 2008 mudou-se para o Haiti, um país que é há séculos alvo de alguns dos maiores males do mundo: “a escravidão, a corrupção, o colonialismo, a violência, a pobreza, catástrofes, a exploração estrangeira e as «costas viradas» da comunidade internacional”.

Num documentário especial em vídeo realizado pelo canal espanhol TVE, em 2011, falou sobre a sua experiência no terramoto: sobre correr para a escola onde trabalhava para tentar salvar os seus alunos, sobre ouvir os seus gritos e tentar tirá-los dos escombros.

Também falou sobre o total silêncio que se seguiu quando uma réplica atingiu o país logo após o primeiro terramoto. A escola onde trabalhava há quase dois anos tornou-se um cemitério. Nos dias seguintes, teve que colocar os seus conhecimentos de enfermagem em prática: ela própria amputou membros dos feridos, dias e dias a fio, passando por fome e sede suficientes para deitar qualquer um abaixo.

"Nunca vi Deus mais presente [do que depois do terramoto]. Tive o privilégio de testemunhar muitos milagres. (...) Não acredito em «atirar a toalha ao chão». Se Deus não desiste de ninguém, por que hei-de eu fazê-lo?"

Isabel Sola Matas, 2011

“Ela tinha uma fé profunda e transmitia esperança a todos à sua volta”, afirmou Beltran ao Crux. “Perguntei-lhe como conseguia entender a ausência de Deus, como conseguia viver em tal país, vendo como tudo o que tinha construído tinha sido tão facilmente deitado abaixo.”

Esta é uma questão que consegue assolar a mente dos mais crentes, sobretudo quando vêem a sua fé posta à prova perante situações tão difíceis como as do Haiti ou de Amatrice, em Itália, cidade praticamente destruída por um terramoto há semanas.

A resposta que “Isa” deu a Beltran foi tão simples quanto surpreendente. “Nunca vi Deus mais presente [do que depois do terramoto]. Tive o privilégio de testemunhar muitos milagres”, explicou-lhe. A resposta acaba por não surpreender quem conhece a “missionária” – título que Isabel acabava por rejeitar muitas vezes, argumentando não ter a certeza de quem estava a evangelizar quem – que um dia escreveu no seu blogue não acreditar em “atirar a toalha ao chão”. “Se Deus não desiste de ninguém, por que hei-de eu fazê-lo?”, questionou na altura.

 

Lembrar os esquecidos

Depois do terramoto, Isabel Sola Matas focou a sua atenção em respostas práticas que pudessem ajudar as pessoas afectadas.

Começou por criar uma oficina para fornecer próteses para quem tinha perdido algum dos membros e dotou alguns dos habitantes locais de capacidades que lhes permitissem continuar o seu trabalho. Ainda que sob sua supervisão, isto deu-lhe liberdade suficiente para concretizar o desafio seguinte: uma clínica móvel para levar cuidados médicos às áreas rurais. Para estas zonas também arranjou médicos e pessoal especializado, incluindo patologistas. Sempre que podia, fornecia pequenos créditos para que as pessoas conseguissem iniciar os seus próprios negócios.

Quando morreu, estava a tentar angariar fundos para a criação de uma nova escola, talvez para substituir aquela que tinha perdido a 10 de Janeiro. A religiosa missionária – tal como os outros 20 missionários espanhóis que actualmente vivem no Haiti – sabia que estava em risco: não por razões religiosas, já que mais de 75% da população é católica, mas devido à “violência crónica”, corrupção e instabilidade do país.

Paloma Ovejero, Vice-Directora da Sala de Imprensa do Vaticano, foi uma das muitas pessoas a lamentar a morte de "Isa"


Neste sentido, Beltran afirma que o ataque a Isabel foi fortuito, que quem está sem comer durante semanas é capaz de matar por três dólares. “A luta pela sobrevivência significa que a vida passa a ter um valor que é mínimo”, argumentou. O Director afirmou ainda que Isabel não era uma ilha isolada a trabalhar no Haiti, mas uma das muitas “Teresas de Calcutá que estão escondidas no mundo” a realizar a obra de Deus.

Em várias mensagens no Facebook e outras redes sociais, aqueles que a conheciam definiram “Isa” como uma “missionária de hoje”: ela não só evangelizou aqueles que ajudou, mas também todos os que a seguiam através do seu blog, do seu Facebook e Flickr, onde postou fotos que espelhavam a beleza que via no povo haitiano.

“Perdemos uma mulher que apostou nos esquecidos, naqueles que ninguém quer e que não estão na agenda de ninguém”, pode ler-se numa das muitas mensagens.

No meio dos que a honraram esteve Paloma Garcia Ovejero, recentemente nomeada pelo Papa Francisco como Vice-Directora da Sala de Imprensa do Vaticano. Foi no Twitter que partilhou: “Profundamente triste. Morta absurdamente. Descansa em paz, Isa. E, já sabem: #DontForgetHaiti”.

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