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Flávia Barbosa | DACS | 12 Mar 2016
"Olhares sobre a Arte": viver, morrer, renascer.
Auditório Vita voltou a ficar lotado. Rui Chafes, Pedro Sobrado e Maria João Costa deram vida à noite que ficou também marcada pela apresentação do novo livro do Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga.
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Os “Olhares sobre a Arte” encerraram ontem o II Ciclo de Conferências da Nova Ágora, plataforma de diálogo promovida pela Arquidiocese de Braga. Uma sala completamente cheia, como já foi habitual em cada uma das sessões, assistiu às reflexões do escultor Rui Chafes e do dramaturgista Pedro Sobrado, com moderação da jornalista Maria João Costa. A abrir a iniciativa esteve a Cappella Musical Cupertino Miranda, que protagonizou alguns dos momentos mais emotivos da noite.

Pedro Sobrado: “A Arte é uma conversa inacabada”

Uma surpresa aguardava as mais de 500 pessoas que se dirigiram ontem ao Auditório Vita: a apresentação do terceiro volume da Voz da Catedral, da autoria do Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga. O livro foi apresentado pelo Cónego José Paulo Abreu, que, em traços gerais, apresentou a compilação e, posteriormente, a essência desta nova edição.

Foi a Pedro Sobrado que coube começar a noite, depois de uma breve apresentação feita por Maria João Costa, moderadora que se revelou particularmente interventiva na sessão, colocando activamente várias questões aos oradores. 

O dramaturgista começou por confessar achar insensato da sua parte ter aceite o convite da Arquidiocese de Braga por se sentir “quase como que um intruso, alguém que se encavalita nas costas dos gigantes”, referindo-se à presença de Rui Chafes. Sobrado não deixou de referir também o escritor Mário Cláudio, outro dos oradores previstos na conferência, mas que não pôde comparecer por motivo de doença.

Pedro Sobrado não poderia ter sido mais directo e surpreendeu a plateia quando afirmou não conseguir responder de forma concreta à pergunta “o que é a Arte?”.

“Sou mais ou menos como Santo Agostinho em relação ao tempo. Eu sei o que é a Arte, mas assim que me perguntam o que é e tento explicar, o meu saber esfuma-se. Mas esta dificuldade pode ser bom sinal, pode querer dizer que a cada nova obra se possa colocar nova pergunta sobre o que é, afinal, a arte. A arte é uma conversa inacabada, um colóquio que não cessa, pelo menos enquanto não nos tornarmos plenamente humanos”, explicou.

Como não seria deixar de esperar, o dramaturgista dedicou grande parte da sua intervenção ao teatro.

“Falar de teatro é lançar um olhar sobre o olhar, sobre o próprio acto de ver. O teatro é uma coisa particular, com um princípio assumido: há sempre uma co-presença, de quem o faz e de quem o vê”. Citando de seguida D. Manuel Clemente, afirmou que são os olhos que dão forma às coisas e que a bondade daquilo que é visto está no olhar de quem vê.

Sobrado confessou ainda não se considerar um artista, tendo antes tido “experiências artísticas”. Bem-disposto, brincou até com a expressão “dramaturgista”, que, pelas palavras de outrem, é “uma coisa «abstrôncica», um emprego para gente frustrada das letras”.

Sobre a criação artística, e dando como exemplo o caso das universidades, o dramaturgista explicou que actualmente há uma “gigantesca indústria de explicação”, o que não faz com que todas as pessoas estejam habilitadas a criar uma obra de arte. “O que torna alguém apto, permanece, a meu ver, um mistério”, adiantou.

“Tentar outra vez, falhar outra vez, falhar melhor é o caminho da criação artística. O artista dá a ver aquilo que não mostrou. O poeta dá a ler aquilo que não escreveu. O que torna uma obra de arte duradoura? Toma tanto tempo quanto foi necessário para ficar pronta. Enquanto as obras de arte dão que fazer, não ruem. A sua essência é duradoura enquanto convida, enquanto interessa”.

O papel do espectador actual e a sua relevância para o sentido da obra artística foi outro dos temas que mais se destacou durante a alocução de Pedro Sobrado. “A chave da interpretação de uma obra não está na mente do seu criador, mas resulta antes de uma realidade dinâmica, de um diálogo, de um confronto, até de um combate. A obra de arte é uma máquina preguiçosa: pede, clama ao observador que venha e preencha os espaços em branco! O sentido de uma obra é resultado desta dinâmica. As obras de arte destinadas à perfeição mostram lacunas, são como o muro à espera da hera. A arte solicita-nos, reivindica-nos de uma forma que o entretenimento nunca poderá fazer. A arte suscita uma procura, e é essa procura que nos interpela a nós”, sublinhou.

Citações e pensamentos de Shakespeare, Herberto Helder, Rancière ou Tarkovsky foram amplamente usadas pelo dramaturgista ao longo da noite para explicar as suas ideias.

 

Rui Chafes: “A Arte é um caminho para a morte”

Rui Chafes abriu o tempo que lhe estava destinado com uma frase que prontamente fez a plateia sorrir: “estou a um passo de ser inútil aqui”. O escultor afirmou de seguida concordar com quase tudo aquilo que havia sido dito por Pedro Sobrado, não querendo, por isso “parecer um eco”.

Retomando algumas das palavras ditas pelo outro orador, Rui Chafes afirmou que “a obra de arte só existe quando é vista, quando é lida,  quando é ouvida. Não existem obras de arte na gaveta, a obra só fecha o seu círculo quando é recebida. É, de facto, o espectador que a faz. Ver uma obra de arte é um trabalho, observar uma escultura é fazê-la. Aqui se vê a potência do espectador! Só no domínio da televisão ou do entretenimento é que o espectador é passivo.”

Ainda sobre a dinâmica estabelecida entre o criador e quem da obra artística usufrui, o escultor afirmou que a arte cria sempre um desafio – ainda que quase sempre falhado –  de criar uma ponte entre aquilo que o artista tentou fazer e aquilo que o espectador tentou compreender. “O olhar de quem recebe essa obra é o mais importante”, sublinhou.

Rui Chafes afirmou, no entanto, que não considera a arte uma expressão individual, até porque trata de temas que existem desde sempre, arcaicos e comuns à humanidade.

“A arte é uma linguagem para a morte, um caminho para a morte, mas não é uma expressão pessoal. Aliás, não conheço artistas imortais...”, afirmou veementemente. As afirmações suscitariam de tal forma curiosidade no público, que viriam a ser discutidas novamente em tempo de debate, numa altura em que a plateia teve a oportunidade de colocar as suas próprias questões.

O final da intervenção do Prémio Pessoa 2015 foi dedicado ao Modernismo e a uma das suas invenções, o museu, que veio dar aos artistas uma hipótese de escolha. “Até então, os artistas tinham que estar obrigatoriamente dentro da Igreja. Hoje podem lá estar ou não, é uma escolha num campo aberto, o que para mim revela índices muito positivos. Penso ser esta a altura certa de dar um passo em frente na relação entre a Arte e a Igreja", admitiu.

 

Tempo de debate: o génio do artista, vida e morte 

Durante o tempo de debate, Rui Chafes acabou por explicar que considera o artista como alguém que vive com uma bola de fogo na mão. “Não vamos dramatizar, é uma característica de todos os artistas. Trazem sempre na mão uma bola de fogo, mas não se podem queimar. Têm de levar uma vida normal, sempre com aquela bola de fogo a arder. Mas os artistas têm uma grande vida, é o máximo!... Só que estão sempre em risco de se queimar e têm que aparentar que isso não está a acontecer. Nos melhores, então, não se nota nada mesmo!”, brincou.

O escultor disse ainda haver sempre uma incapacidade de os artistas lidarem com o mundo de forma pacífica e passiva, não sendo capazes de achar o mundo normal. “Bom, e não é mesmo. Eu acho este mundo uma anormalidade, uma brutalidade, com imagens de violência que vemos todos os dias...”

Sobre a relação entre a Arte e a Igreja, explicou que é altura de a mesma renascer, tanto a ideia da Igreja na Arte, como da Arte na Igreja. “Com isto deve nascer a pergunta: onde é que está a Igreja? A Igreja não é o edifício: é o coração, é o ser humano. Onde está a minha catedral? É onde estiver o meu coração, é onde estiver a minha fé... A relação passará pela mútua compreensão, que sempre existiu, mas que poderá ser muito mais ampla do que o edifício ou a sua arquitectura. A Igreja tem que sair para o mundo, é essa a mensagem de Jesus Cristo: trazer a igreja ao Homem”, afirmou.

“O que o inspira?”, perguntou alguém da assistência a Rui Chafes, que não resistiu a brincar, dizendo que inspira e expira constantemente. Depois de arrancar gargalhadas a toda a sala, o escultor deu nova explicação que suscitou grandes aplausos.

“Os artistas inspiram o mundo todo e roubam-no. Os melhores são autênticos ladrões. Somos criminosos, passamos o tempo a observar tudo e a roubar. E quanto melhor for o artista, menos esse roubo é visível. Roubamos sombras, cabelos caídos nos ombros de uma menina, escadas, joelhos, nuvens... E depois temos uma gruta cheia de coisas roubadas, e é a partir delas que fazemos coisas. No caso dos melhores artistas, ninguém percebe que é tudo roubado. Sim, tinha que me confessar!”, brincou novamente.

A reflexão sobre a Arte como caminho para a morte não passou despercebida e houve quem pedisse ao Prémio Pessoa para desenvolver a ideia.

“Não é só um caminho para a morte, é um diálogo com os mortos. Como eu a vejo, é sempre um exercício de memória. É um roubo que também encontra o seu reflexo e filtros numa memória... A arte é um lamento por essa morte, mas, ao mesmo tempo, um diálogo com tudo aquilo que já foi feito. É um diálogo com o passado e não com o futuro”, frisou. 

Por sua vez, Pedro Sobrado, começou por responder a quem questionou o papel da Arte na inclusão. O dramaturgista confessou não estar apto para responder “taxativamente” à pergunta, mas sublinhou que todas as obras de arte são inclusivas, não repelem, não excluem, até porque exigem a intervenção de quem as vê.

Sobrado falou ainda da relação entre as obras e a bondade, admitindo que a arte é capaz de "enriquecer as pessoas", mas não é obrigatoriamente sinónimo de as tornar melhores. O papel das novas tecnologias e da revolução tecnológica na “aparente banalização da arte” foi outro aspecto abordado durante o debate.

“Não quero adoptar uma posição moralista, mas neste momento há milhões de imagens que estão a ser gravadas em todo o mundo: são imagens banais, que nunca serão vistas. As imagens banalizaram-se e a arte não tem a ver com essas imagens, mas sim com a criação de imagens justas. Há uma proliferação absurda de imagens no mundo”, indicou Pedro Sobrado.

Os oradores da noite foram ainda unânimes e sublinharam um ponto que aos dois pareceu fulcral: nem todos nascem para ser artistas – "assim como nem todos nascem para serem engenheiros, sapateiros ou médicos" – e que o artista tem também que encetar ao longo da sua vida muito trabalho essencial, mesmo que de atelier ou monótono. “É um trabalho de exigência. Cada arte tem a sua história, o seu próprio campo. Não é só com boa-vontade que se é capaz”, concluiu Rui Chafes.

A ditadura do bom gosto, a efemeridade das obras e questões de mercado foram outros assuntos a merecer destaque no encerramento dos “Olhares sobre a Arte”.

 

D. Jorge Ortiga: A arte tem o condão de activar a nossa imaginação

O terceiro e último encontro da II edição da Nova Ágora ficou ainda marcado pela intervenção do Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga, que começou por enquadrar os “Olhares” de 11 de Março, sublinhando que a arte é propulsora do imaginário.

“A arte, como sabemos, tem o condão de activar a nossa imaginação. Segundo Henry Newman, na Gramática do assentimento, existem duas formas de conhecimento, uma nocional, entendida como «conhecimento abstracto», e outra real, no sentido de «conhecimento experiencial», do coração. Ambas são, é certo, importantes e necessárias para um humanismo integral. Mas, a arte, em certa medida, apresenta-se como a antecâmara do conhecimento real ou experiencial, na medida em que activa a nossa imaginação. E o que é imaginação? É a realidade em estado de potência”, sublinhou.

Neste sentido, o prelado afirmou que o “encontro dos diferentes não é apenas uma potência mas, quando o Homem deseja, pode ser uma realidade”, uma das conclusões mais significativas da Nova Ágora.

“Este critério aplica-se a vários quadrantes da vida e, de um modo particular, no âmbito do diálogo entre crentes e não-crentes. Há alguns anos, a Nova Ágora seria, para muitos, uma realidade fictícia. Pois bem, a Arquidiocese de Braga, na linguagem de Newman, imaginou esse encontro e nasceu, em primeiro lugar, o Átrio dos Gentios e, agora, a Nova Ágora”, explicou.

Além de aos patrocinadores, conferencistas, moderadores e grupos musicais, D. Jorge Ortiga agradeceu ainda a todos quantos trabalharam “nos bastidores, longe dos holofotes” e a toda a equipa organizadora da Nova Ágora. No final, o prelado deu ainda garantia de que o evento se repetirá no próximo ano, “com pessoas e temas diferentes”.

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